O José de Sá escreveu:
Sobre a história do Pitbull que matou uma criança, e da compaixão que o
cão suscita, ao contrário da criança, vou partilhar uma pequena reflexão
antiga:
ALIENAÇÃO.
E o problema é similar ao das touradas. Para
quem veja o National Geographic, algo que impressiona é o olhar da leoa
para a impala: totalmente desprovida de empatia. Aliás, é também como
ela nos olha, e até as suas crias, no que se distinguem de imediato de
um gato doméstico, por exemplo. O olhar da leoa é desalienado. Ela vê o
que a impala realmente é: carne comestível!
Do mesmo modo, o povo
que vê a tourada tem o olhar desalienado e lúcido: aquilo não passa de
uma centenas de quilos de bifes! É para isso que os cria nos prados -
para os esmifrar da carne, do leite, da força de tracção. Não é para os
acarinhar projectando neles uma humanidade que os touros não têm.
Quando assiste a uma tourada, um apreciador não vê um animal que sofre. Vê um
perigo de morte (para o toureiro, que esse sim, é humano), que a
inteligência e a coragem dos homens domina. Quando se lhe espeta uma
farpa, por exemplo, não é no touro que se pensa: é no toureiro, que
assim estimula a agressividade da besta para poder continuar o jogo com a
morte bestial que na arena realiza. Não há no touro picado nenhuma
expressão de sofrimento. Aliás, não há nenhuma expressão...
Amar o
touro como se fosse humano, ou o Pitbull que matou a criança, é uma
forma de animismo primitivo, embora numa alienação típica das cidades
modernas. Resulta de dissociar o touro da arena dos pacotes embrulhados
com bifes do hipermercado. É projectar-lhe uma humanidade que os animais
não têm. Uma alma.
Animismo, portanto, do mais reles e primitivo que
costumamos atribuir aos indígenas antigos...
Claro, gostar de fazer
sofrer animais, como certas crianças fazem, é um versão invertida do
mesmo animismo, e esse sim, condenável, por esconder o desejo de fazer o
mesmo a humanos. O mesmo quanto à zoofilia, menos rara do que se
pensa...
Com os cães a coisa é um pouco diferente. Há
efectivamente uma empatia excepcional entre esses animais e os humanos.
Primeiro, o tipo de sociabilidade é semelhante: os canídeos caçam em
grupo e têm por isso a maior taxa de sucesso na caça de todos os
carnívoros - e, como nos humanos, a sua superioridade reside quase
inteiramente na força do grupo. Além disso têm hierarquias sociais
também semelhantes às humanas - em certos casos (hienas) há uma fêmea
dominante, noutros há um casal dominante (lobos), certos canídeos cuidam
dos feridos e doentes da matilha.
Segundo, a relação dos cães com
os humanos remonta à pré-história, e penso que advém precisamente dessa
semelhante sociabilidade. Depois os humanos apuraram as raças mais
afins, até termos estes animais cuja empatia connosco é sabida. Mas não
deixam de ser animais.
Que, aliás, por vezes os humanos apuram para
serem armas suas. Como os doberman dos nazis. Ou os cães com explosivos
às costas que os russos usavam contra os Panzer, fazendo-os passar fome e
"ensinado-lhes" que a comida estava debaixo do tanque (aposto que esta
utilização suscitaria gigantescos abaixo-assinados contra)... ou os cães
de alfândega que são viciados de modo a procurarem droga nas
bagagens...
Um cão como companhia doméstica? Em certos casos entendo, na velhice, por exemplo...
Mas desenvolver com os cães uma relação como se fossem humanos, filhos
ou algo assim, particularmente quando ainda se é novo, não é só
alienação animista.
É querer ter escravos humanos totalmente
subservientes e, não podendo, encontrar-lhes o sucedâneo legal...