segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Acordo Ortográfico, ou a destruição da Lingua Portuguêsa ?

Há dias, a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, adiou a obrigatoriedade de implementação do "Acordo" Ortográfico para 2016. 

Fê-lo com base numa petição que reuniu 20.000 assinaturas. 

Em Portugal, uma igual petição reuniu mais de 130.000, e não teve qualquer eco.

130.000 assinaturas num país cuja população é incomparavelmente menor do que no Brasil. 

Devemos aproveitar para reflectir seriamente sobre o "A"O e os seus efeitos em Portugal. 

O exemplo vem-nos, aliás, do próprio Brasil. Nesse país, os argumentos aduzidos apontam para críticas de ordem científica ao "A"O. E junta-se a essas críticas o argumento da necessidade de uma "maior simplificação" da ortografia da língua portuguesa. Além de que por exemplo o linguista Evanildo Bechara assegura que o "A"O precisa de ser revisto. 

Revisto - e nem ainda entrou em vigor! 

Isto diz bem da consistência científica de um dos maiores atentados feitos à língua portuguesa. Naturalmente, este adiamento sublinha a bondade das críticas feitas ao "Acordo", mostrando que nem em Portugal nem no Brasil (nem nos outros países lusófonos, que mostraram grandes reticências, sendo que Angola ainda não o ratificou) ele conseguiu um consenso mínimo em termos científicos. 

A grande questão, agora, é saber se realmente há base científica para que algum dia ele venha a existir. Com este ponto suplementar: a partir do momento em que várias declarações, no Brasil, apontam para a necessidade de uma maior "simplificação" da língua portuguesa, o que se impõe perguntar em Portugal é: queremos nós, em Portugal, "simplificar" (seja o que for que isto queira dizer!) a língua? 

Ou privilegiamos (legitimamente também) a história da língua portuguesa na Europa, guardando por exemplo alguns traços etimológicos da sua origem e evolução ao longo dos séculos? 

Simplificando a pergunta: haverá base, em termos de uma política científica do Português, para um acordo que não parece agradar nem a gregos nem a troianos? A resposta talvez seja: "Assim-assim." 

Em Portugal, é sob esta fórmula que se costuma esconder a falta de coragem e a aceitação tristonha do império da realidade, quando mais vale não pensar. 

Em 2016, eis um cenário muito possível: 

Angola manterá a ortografia existente anterior ao "Acordo". 

Portugal seguirá, se não conseguir inverter o statu quo, o pobre "acordês". 

E o Brasil terá entretanto revisto e certamente "melhorado" o "Acordo", escrevendo numa terceira ortografia. 

Resumindo: cada qual escreverá de sua maneira, e ter-se-á esfrangalhado a ortografia comum que, até agora, era seguida por todos os países lusófonos, com excepção do Brasil. Ou seja: será um verdadeiro "acordo português", em que ninguém sabe acordar. 

Por Helena Buescu Professora catedrática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no Público, 08/01/2013

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