domingo, 22 de julho de 2012

O "Crime" de Relvas, por José António Saraiva.

«Escrevo semanalmente sobre política há mais de 30 anos , mas mesmo assim ainda consigo surpreender-me.
 
Nas últimas semanas, tenho ficado embasbacado ao ver pessoas adultas e supostamente inteligentes passarem noites inteiras nas televisões a discutir o "caso Relvas ". Mas haverá assim tanto para discutir sobre este caso?
 
A história conta-se em seis linhas : Miguel Relvas apresentou o currículo na Universidade Lusófona, esse currículo foi considerado equivalente a 32 cadeiras. Relvas fez as quatro cadeiras restantes e obteve o canudo.
 
Não há mais nada para noticiar.
 
Pode argumentar-se que houve uma situação de favor-e se calhar é verdade. Provavelmente não deveria ter tantos "créditos" Mas essa situação diz respeito à universidade e não ao próprio
 
Onde é que neste processo Relvas poderia ter cometido um "crime" ?
 
Em duas situações : ou falsificando o currículo ou corrompendo alguém para lhe dar mais créditos do que aqueles a que tinha direito. Ora, aparentemente nenhuma destas hipóteses ocorreu.
O currículo, que se saiba está correcto: e não há nenhum indicio de corrupção.
 
O que se discute,então ?
 
Deveria Relvas ter recusado os créditos que lhe foram atribuídos ?
Mas alguém já fez isso em Portugal (ou noutro país do mundo ? )
 
O "caso Relvas", neste momento, já não tem que ver com o seu curso mas sim com a luta política.
Em torno de Relvas trava-se um braço-de-ferro entre a comunicação social e o Governo, para ver quem é mais teimoso. Ocupam-se horas e horas na TV e na rádio com este assunto, e enchem-se páginas de jornais, apenas para manter o tema na agenda-pois já não há mais nada para dizer.
Mas, por isso mesmo, Miguel Relvas não poderá demitir-se nem ser demitido.
 
Isso seria um tremendo erro político . Diz-se que a sua presença no Governo está a contribuir para o desgastar.
Ora o Governo desgastar-se-ia muito mais se relvas saísse.
Porque seria uma cedência.
Uma prova de fraqueza.
Um sinal de incapacidade para resistir à pressão.

Voltemos um pouco atrás no tempo: qual era um dos grandes trunfos de Sócrates, reconhecido mesmo pelos seus adversários ? Era essa capacidade de resistir- a que começaram a chamar "resilência".
 
Sócrates resistiu ao caso da licenciatura (que era bem mais complicado do que o de Relvas, pois continha irregularidades), resistiu ao caso dos mamarrachos, resistiu ao caso do aterro da Cova da Beira, resistiu ao caso Freport, resistiu ao caso Face Oculta-chegando ás eleições e obtendo, ainda,um resultado razoável.
 
Ora porque carga de água deveria Relvas demitir-se à "primeira" ?
Como se entende que as pessoas que defenderam Sócrates com unhas e dentes até ao fim venham agora dizer que Relvas devia demitir-se ?
 
Demitir-se porquê ?
Por ser mais gordo ?
Por ser mais baixo ?
Por ser do PSD e não do PS?

Um Governo não deve demitir-se debaixo do fogo da comunicação social-esta é uma regra de ouro.
Num momento em que se trava um braço- de-ferro com os média, não pode ser o Governo a ceder.
Nem há objectivamente razões para isso.
 
Se Miguel Relvas obteve o diploma por "favor" , então reúna-se uma "comissão de sábios" para analisar o seu processo e outros idênticos- e retire-se o canudo a quem não o deva ter.
Mas poupem-nos a esta novela mexicana que "já não tem mais lenha por onde arder".

PS-O único interesse do "caso Relvas "foi revelar aquilo que o "caso Sócrates" tinha mostrado mas que muita gente teimava em ignorar: a falta de exigência que se verifica em algumas universidades, distribuindo-se canudos com demasiada facilidade. 

Espera-se,assim,que o ministro Nuno Crato leve por diante aquilo que prometeu,isto é analise este problema com o máximo rigor e mude o que estiver mal.»

POR: JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA

1 comentário:

Nuno Roboredo disse...

"Escrevo semanalmente sobre política há mais de 30 anos..." Caro José António Saraiva, que tal ir até à Lusófona? Talvez lhe dêem umas equivalências...