segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Da traição, á angustia da chegada.

Vivem-se vidas inteiras sem conhecer o desespero.

Mas esse sentimento pungente, amargo, rude, foi partilhado em 1975 por centenas de milhares de portugueses em Angola sobretudo; centenas de milhares em Moçambique, na Guiné (até em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e Timor).

Cidades inteiras de pessoas felizes, prósperas, esperançosas, com uma absurda confiança no futuro, viram-se de repente sem vida social, sem emprego, sem casa, com o dinheiro congelado nos bancos e um terrível sentimento de perigo em relação às suas vidas e às da sua família. O desespero tem espinhos, alguns aguçados, e os seus bicos empurram as pessoas para o abismo.

No início de Maio de 1975, em Luanda, um grupo de 2.500 residentes em Angola anunciou que não conseguindo obter passagens aéreas ou marítimas para Lisboa, tencionava fazer a viagem até Portugal por via rodoviária, atravessando oito mil quilómetros de países africanos no sentido sul-norte ao longo de 90 dias. A caravana motorizada esteve organizada para ser constituída por 200 camiões e 500 automóveis particulares, sendo os suprimentos destinados a 15 camiões-frigoríficos com capacidade para transportar 30 toneladas de alimentos cada um.

Alguns veículos foram transformados em oficinas móveis para fazer face à inclemência do trajecto e um dos organizadores, Guilherme dos Santos, fez contactos formais com a Cruz Vermelha Internacional e com a Comissão das Nações Unidas para os Refugiados para, na medida do possível, ajudarem essa travessia das selvas, savanas e desertos do continente africano.

Acabaram por não avançar para esse louco caminho para a morte.

Mais a sul, porém, houve traineiras a largar de Porto Alexandre, e de Luanda cheias de gente, em direcção a Portugal-Algarve e Madeira onde chegaram, com muita sorte, sem males de maior. Outros barcos de pesca artesanais cruzaram o Atlântico para despejarem no Brasil "os refugiados" que não vieram para Portugal. De entre estes barcos de pesca artesanais alguns acabariam por afundaram no Oceano. E quase todos os que puderam escaparam por terra em direcção à África do Sul e a outros países limítrofes, em alguns casos viajando com máquinas de obras públicas que iam aplainando os acidentes do caminho.

O drama, o luto, o caos, a confusão dominou no primeiro tempo da chegada a Lisboa a cabeça das pessoas. Mais do que a revolta, as pessoas tentavam perceber os acontecimentos, e como é que se poderiam instalar em Portugal. A fase da revolta veio depois.

Na quantidade tremenda de gente que desaguou em Portugal aconteceu de tudo. Uma pequena minoria tinha acautelado o seu património e preparado o seu regresso a Portugal. Outra minoria - precisamente aquela que mais tinha a perder com a "independência" de Angola uma vez que perdera os laços com a metrópole - e nunca acreditou no pior desfecho, não preparou coisa nenhuma, e veio sem nada, absolutamente nada, para além da roupa que trouxe no corpo e muita desta fornecida pela Cruz Vermelha, pelas fugas em plena noite das suas casas em pijamas e descalços, quando dormiam. Algumas centenas, conseguiu trazer alguma coisa, pouca, mas suficiente para o espectáculo dos caixotes que inundou o cais e o aeroporto de Lisboa.

Aos números soma-se a crónica dos ressentimentos sobre a situação, a confusão baralha-se; calam-se os dramas, a angústia, sofresse e chora-se em silêncio. E faz-se o luto pelos familiares ou amigos assassinados.

O ódio é mais espesso que o sangue, mas há momentos em que nem isso adianta...

É QUANDO PORTUGAL E TRAIÇÃO JÁ NÃO SE DISTINGUEM!


Rogéria Gillemans, Aqui:

1 comentário:

Gabriel Cavaleiro disse...

No meu Blogue http://www.riodosbonssinais.blogspot.com/ encontra um artigo sobre a Ponte Aérea de que eu fui participante activo do primeiro ao último dia como piloto da TAP na pág "Linha Aérea". Pode ver uma entrevista com vários participantes da Ponte Aérea, este Sábado 3 DEZ na SIC após o Telejornal. Acontecimentos que não se podem esquecer...