terça-feira, 8 de novembro de 2011

Um país cheio de gente insuportável

"O senhor Presidente da República parte quarta-feira para os Estados Unidos. Boa viagem. Mas antes de deixar a terrinha fez questão de compartilhar com os portugueses o seu estado de alma sobre os desempregos e os filhos dos que não têm trabalho hoje, amanhã e daqui a uns anos.

Para Cavaco Silva, vão ser tempos insuportáveis. É verdade. Tem toda a razão. Mas essa gente vive a sua tragédia em silêncio, tenta sobreviver por todos os meios possíveis e imaginários. Não tem a protecção de ninguém.

Do poder político, que corta nos subsídios e na sua duração porque não há dinheiro; dos sindicatos, que apenas se preocupam com os afortunados que ainda têm trabalho; dos partidos, que andam preocupados com os direitos adquiridos e com as violações constitucionais dos cortes de ordenados e subsídios de férias e Natal de quem recebe o salário do Estado a tempo e horas; dos empresários incompetentes, que viveram e querem viver encostados ao Estado e que não suportam a mínima concorrência interna ou externa; dos empresários competentes que estão sem crédito na banca, atolados de impostos e burocracia e estão essencialmente preocupados em manter os seus negócios e ter dinheiro ao fim do mês para pagar os salários aos seus trabalhadores.

São, de facto, tempos insuportáveis para quem tem cabeça e dois braços para trabalhar e ninguém lhe dá emprego. Mas mais insuportável é olhar para o país e ver tanta gente insuportável a protestar por tudo e por nada, numa vã e miserável tentativa de manter tudo como dantes, alheia a tudo e a todos, mesmo aos que passam por tempos insuportáveis.

Insuportáveis são as greves dos transportes públicos.

Insuportáveis são os indignados com os cortes nas linhas do Metro ou da Carris.

Insuportáveis são os que marcam paralisações supostamente gerais para manter regalias e direitos que os que vivem tempos insuportáveis há muito perderam.

Insuportáveis são os reitores das universidades públicas que não querem viver com menos dinheiro do Estado.

Insuportáveis são os ecologistas que param obras de barragens por causa de umas árvores e ameaçam pôr no desemprego insuportável centenas de pessoas.

Insuportáveis são os médicos que se gabam de boicotes a medicamentos mais baratos que nem os que vivem tempos insuportáveis podem comprar.

Insuportáveis são as leis para filhos e enteados, que permitem o desemprego para uns e a segurança para outros.

Insuportáveis são os autarcas do regime que usam o seu peso político para não cortarem a sério no endividamento das câmaras.

Insuportáveis são os que fingem não saber a que estado chegou este país miserável em que uns tantos miseráveis se governaram à grande e à francesa durante muitos e bons anos democráticos.

É verdade, senhor Presidente da República. Há muita gente insuportável no país a que o senhor preside.

Talvez desse algum consolo à alma dos que vivem tempos insuportáveis ouvir os carrascos de Portugal pedir desculpa por tudo o que andaram a fazer.

Talvez a vida fosse menos insuportável, mesmo para os que vivem tempos insuportáveis. E para os que vão passar a viver tempos insuportáveis já a seguir."

por António Ribeiro Ferreira, jornalista, director do I

1 comentário:

Fernando Freitas disse...

Subscrevo, totalmente, a lista das coisas insuportáveis. Peca, certamente por falta de espaço ou para não se tornar maçadora para alguns, por ser curta.