segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Recordação do Dundo N.º 3 - Chicuco e a procriação

Soube, há já alguns anos, que, enraizada na crendice ancestral dos Kiokos, residia a certeza de que o sucesso e a qualidade da sua descendência dependiam da mulher, durante a gravidez, copular com o pai da sua criança, e apenas com este, regularmente e com muita frequência. Exigência que aumentava de rigor, nos dias anteriores ao parto.

Só nessa altura, fui capaz de relacionar com esta crença, um episódio da minha infância no Dundo, do qual, ainda hoje, guardo viva recordação.

Num recanto do jardim da minha casa, havia uma frondosa papaieira que, quase encostada à casa, fornecia, durante todo o dia, sombra grande e acolhedora, à qual recorria para as minhas brincadeiras de menino. Próximo da árvore, existia uma sebe, alta mas algo rarefeita, que separava o jardim da horta que servia a casa. A horta era um recinto rectangular, comprido, encaixado entre a nossa casa e a do vizinho do lado.

O meu pai e o nosso criado kioko, Chicuco, de seu nome, cuidavam da horta, sempre com muito desvelo e competência. Os tomateiros, alfaces, couves e outros legumes, cresciam viçosos, ordenados em carreiros muito bem cuidados e judiciosamente regados. O acesso à horta fazia-se, apenas, por uma porta situada num muro que limitava o lado pequeno do recinto, oposto ao da papaieira onde brincava.

Pela tarde de um certo dia quente e luminoso, como sempre eram os dias no Dundo da minha meninice, estava eu à sombra da papaieira, brincando alegre e descuidadamente com outro companheiro de tropelias, quando se me deparou uma cena bizarra. Aproximando-me da sebe, para pegar um dos brinquedos que lá fora parar, vi, por uma nesga entre alguns ramos, no fundo da horta, uma mulher negra, grande e possante, com enorme barriga de grávida, de pé, pernas abertas bem assentes no chão, braços ao alto e vestido para cima, firmemente encostada à parede da casa ao lado.

Vi, também, o Chicuco, de calças na mão e o rabo preto brilhando ao sol, aproximar-se da mulher e fundir-se com ela. Vi aquele kioko, vítima frequente das minhas maldades e partidas inocentes, a trabalhar laboriosamente em prol da descendência, em íntima comunhão com a mulher, os dois num só! Pareciam um farol de luz intermitente, com o reflexo do sol no rabo luzidio do Chicuco, a acender e apagar, em razão dos movimentos de avanço e recuo da função. Era ele a arfar, e ela a gemer! Ele a suar, e ela a gemer! Ele a “bombar”, e ela a gemer! Ele, receoso e apressado, e ela, indolente e a gemer!

Antes que o final surgisse, decidi surpreender o casal e aplicar uma partida ao desgraçado do Chicuco. Deixei o meu companheiro de brincadeira, surpreendido por aquele repente, e desatei a correr, desenfreadamente, dando a volta pelo outro lado da casa, até ao pequeno portão de acesso à horta. Era um trajecto ainda longo, por entre vegetação densa, que me consumiu três ou quatro minutos do meu precioso tempo.

Quando cheguei, já nada vi! As “vítimas” da partida já nem sequer lá estavam! Tamanha frustração para tão penoso esforço! Sorte para a descendência do kioko! O seu futuro não ficou comprometido pelo “coito interruptus” que, seguramente, o meu rompante provocaria! Ainda hoje, o bom do Chicuco, se for vivo, não imagina, sequer, o que esteve para lhe acontecer naquele dia de sorte!

Dois dias depois tivemos notícia que aquela mulher do Chicuco havia dado à luz um rapaz perfeito e saudável. Rechonchudo e alegre. Graças ao empenho e rapidez de acção do pai. Graças, também, à razoável distância e dificuldades do percurso que separava a horta, do meu lugar de brincadeiras.

Porto, 26 de Setembro de 2006

Autor: Toni Dinis.

1 comentário:

Fernando Freitas disse...

Que sorte o meu amigo ter ficado livre da fama de empata...
:-)