Artigo, de Jacques Amaury, sociólogo e filósofo francês, professor na
Universidade de Estrasburgo, escrito já há algum tempo, em 2011, mas por estar tão actual, deve ser relido.
Portugal
atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história que terá que
resolver com urgência, sob o perigo de deflagrar crescentes tensões e
consequentes convulsões sociais. Importa em primeiro
lugar averiguar as causas.
Devem-se, sobretudo à má aplicação dos
dinheiros emprestados pela CE para o esforço de adesão e adaptação às
exigências da união. Foi o país onde mais a CE investiu "per capita" e o
que menos proveito retirou. Não se actualizou, não melhorou as classes
laborais, regrediu na qualidade da educação, vendeu ou privatizou mesmo
actividades primordiais e património que poderiam hoje ser um
sustentáculo.
Os dinheiros foram encaminhados para auto-estradas,
estádios de futebol, constituição de centenas de instituições
público-privadas, fundações e institutos, de duvidosa utilidade,
auxílios financeiros a empresas que os reverteram em seu exclusivo
benefício, pagamento a agricultores para deixarem os campos e aos
pescadores para venderem as embarcações, apoios estrategicamente
endereçados a elementos ou a próximos deles, nos principais partidos,
elevados vencimentos nas classes superiores da administração pública, o
tácito desinteresse da Justiça, frente à corrupção galopante e um
desinteresse quase total das Finanças no que respeita à cobrança na
riqueza, na Banca, na especulação, nos grandes negócios, desenvolvendo,
em contrário, uma atenção especialmente persecutória junto dos pequenos
comerciantes e população mais pobre.
A política lusa é um campo
escorregadio onde os mais hábeis e corajosos penetram, já que os
partidos cada vez mais desacreditados, funcionam essencialmente como
agências de emprego que admitem os mais corruptos e incapazes,
permitindo que com as alterações governativas permaneçam,
transformando-se num enorme peso bruto e parasitário.
Assim, a
monstruosa Função Publica, ao lado da classe dos professores,
assessoradas por sindicatos aguerridos, de umas Forças Armadas
dispendiosas e caducas, tornaram-se não uma solução, mas um factor de
peso nos problemas do país.
Não existe partido de centro já que as
diferenças são apenas de retórica, entre o PS (Partido Socialista) e o
PSD (Partido Social Democrata), de direita, agora mais conservador
ainda, com a inclusão de um novo líder, que tem um suporte estratégico
no PR e no tecido empresarial abastado. Mais à direita, o CDS (Partido
Popular), com uma actividade assinalável, mas com telhados de vidro e
linguagem publica, diametralmente oposta ao que os seus princípios
recomendam e praticarão na primeira oportunidade. À esquerda, o BE
(Bloco de Esquerda), com tantos adeptos como o anterior, mas igualmente
com uma linguagem difícil de se encaixar nas recomendações ao Governo,
que manifesta um horror atávico à esquerda, tal como a população em
geral, laboriosamente formatada para o mesmo receio. Mais à esquerda, o
PC (Partido Comunista) menosprezado pela comunicação social, que o
coloca sempre como um perigo latente e uma extensão inspirada na União
Soviética, oportunamente extinta, e portanto longe das realidades
actuais.
Assim, não se encontrando forças capazes de alterar o status,
parece que a democracia pré-fabricada não encontra novos instrumentos.
Contudo, na génese deste beco sem aparente saída, está a impreparação,
ou melhor, a ignorância de uma população deixada ao abandono, nesse
fulcral e determinante aspecto. Mal preparada nos bancos das escolas, no
secundário e nas faculdades, não tem capacidade de decisão, a não ser a
que lhe é oferecida pelos órgãos de Comunicação.
Ora e aqui está o
grande problema deste pequeno país; as TVs as Rádios e os Jornais, são
na sua totalidade, pertença de privados ligados à alta finança, à
industria e comercio, à banca e com infiltrações accionistas de vários
países. Ora, é bem de ver que com este caldo, não se pode cozinhar uma
alimentação saudável, mas apenas os pratos que o "chefe" recomenda. Daí a
estagnação que tem sido cómoda para a crescente distância entre ricos e
pobres.
A RTP, a estação que agora engloba a Rádio e TV oficiais, está
dominada por elementos dos dois partidos principais, com notório assento
dos sociais-democratas, especialistas em silenciar posições
esclarecedoras e calar quem levanta o mínimo problema ou dúvida. A
selecção dos gestores, dos directores e dos principais jornalistas é
feita exclusivamente por via partidária. Os jovens jornalistas, são
condicionados pelos problemas já descritos e ainda pelos contratos a
prazo determinantes para o posto de trabalho enquanto, o afastamento dos
jornalistas seniores, a quem é mais difícil formatar o processo a pôr
em prática, está a chegar ao fim. A deserção destes, foi notória.
Não há
um único meio ao alcance das pessoas mais esclarecidas e por isso, "non
gratas" pelo establishment, onde possam dar luz a novas ideias e à
realidade do seu país, envolto no conveniente manto diáfano que apenas
deixa ver os vendedores de ideias já feitas e as cenas recomendáveis
para a manutenção da sensação de liberdade e da prática da apregoada
democracia.
Só uma comunicação não vendida e alienante, pode ajudar a
população, a fugir da banca, o cancro endémico de que padece, a exigir
uma justiça mais célere e justa, umas finanças atentas e cumpridoras,
enfim, a ganhar consciência e lucidez sobre os seus desígnios.
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