"Alguns elementos sobre o Bando de Argel"
Aqui fica para memória futura, um contributo do chefe Abílio Augusto Pires, escrito já há uns anos, para a biografia do conhecido desertor e traidor, Manuel Alegre.
Natural
de Águeda ou arredores, Manuel Alegre fez a sua vida académica em
Coimbra.
Descendente de uma classe “média-alta” fez a vida normal de
estudante de Coimbra, um tanto boémia e, nesse sentido, um tanto
tradicionalista.
Cedo se virou para a política o que, no ambiente de
Coimbra, também era tradicional.
Militou na “organização local” do
p.c.p. e estou à vontade para afirmá-lo porque fui eu próprio quem
desmantelou essa organização.
Dos seus elementos com alguma
responsabilidade ficaram dois: Silva Marques, hoje deputado do P.S.D.
que, embora fosse estagiário de advocacia em Aveiro, vivia já numa
situação de semi-clandestinidade, e o Manuel Alegre. Mas ficaram por
razões diferentes.
O primeiro, Silva Marques, porque mergulhou na
clandestinidade e viria depois a fixar-se na Itália, onde entrou em
litígio com o “partido” do qual veio a ser expulso, após ter feito
várias autocríticas que, de resto, conheci.
Manuel Alegre também escapou
mas porque estava a prestar serviço militar no R.I. 12 (Regimento de
Infantaria nº12) situado precisamente em Coimbra e já mobilizado para
Angola, como alferes miliciano.
A PIDE foi sempre um pouco avessa à
detenção de militares mas, neste caso, pesou mais o facto de estar
mobilizado. É, pois, totalmente falsa a ideia de que desertou por ser
perseguido pela PIDE que não o prendeu porque não quis fazê-lo. As
razões íntimas que o levaram à deserção só ele poderia explicá-las se
bem que se tornou evidente para quem alguma vez ouviu a “voz da
liberdade” ao longo dos seus 12 anos de funcionamento.
E não venha
dizer que não traiu. Fê-lo ao longo de 12 anos, não só pelas declarações
que prestou como também pelas que obrigou a prestar. Trata-se de
matéria conhecida mas que abordarei um pouco à frente.
Desertou e
foi para Paris em 1962, estava a ser criada a FPLN (Frente patriótica de
libertação nacional) que já se decidira iria funcionar em Argel, com o
beneplácito do governo argelino e toda a sua protecção. Seria dirigida
por Fernando Piteira Santos que fora funcionário do partido comunista
português e expulso da organização uns dez (10) anos antes.
Aliás, o
governo argelino já autorizara também a instalação e funcionamento da
rádio “voz da liberdade” da qual Manuel Alegre viria a ser o locutor até
25 de Abril de 1974. Assim, em meados de 1962, partiriam de Paris rumo a
Argel Fernando Piteira Santos, sua companheira, Maria Stella Bicker
Correia Ribeiro e Manuel Alegre. A FPLN cresceu rapidamente e tem que
dizer-se que o seu principal indutor foi a rádio “voz da liberdade”.
Tornou-se, assim, a breve trecho, num autêntico coio de traidores,
grande parte deles desertores do Exército Português e também,
ex-prisioneiros que, libertados pelo inimigo, eram para ali encaminhados
e lá permaneciam em cativeiro pelo menos até se disporem a revelar
perante os microfones tudo o que sabiam e não só: tinham igualmente que
recitar “ipsis verbis” o discurso que lhes punham à frente.
Só depois
disso é que teriam hipótese de sair da Argélia.
Esta atitude, que em
qualquer país civilizado consubstanciaria a figura jurídica de “cárcere
privado” era praticada pela FPLN com a cumplicidade do senhor Manuel
Alegre: só que no Portugal democrático ninguém fala disso.
Não seria
trair?
E receber os chefes dos movimentos africanos que nos combatiam, ouvir e transmitir aí os seus dislates não seria trair?
E fornecer-lhes as informações que desertores e ex-prisioneiros de guerra eram forçados a prestar não seria trair?
Bom,
se isto não era trair vamos a outro aspecto:
Enviar homens –
elementos da FPLN – para Cuba a fim de serem instruídos na guerrilha
urbana, também não era trair?
E a FPLN (não só mas também) enviou para
lá alguns que foram treinados numa base cujo nome não me recordo de
momento mas sei que dista 17 quilómetros de Havana e foram treinados
entre outros por Alvarez del Bayo, antigo coronel do Exército espanhol
que se bateu contra Franco e foi um dos homens do DRIL ( Directório
Revolucionário Ibérico de Libertação) que organizou o assalto ao Santa
Maria.
E também me lembro que esses homens (da FPLN) foram treinados no
fabrico e uso de explosivos e, ainda, a fazer guerrilha urbana com armas
que eles próprios tinham que fabricar. E que aprenderam, por exemplo, a
fabricar morteiros partindo de um simples cano retirado de um algeroz.
Isto era bem mais do que trair.
E para que dúvidas não restem, cito dois
nomes: Eduardo Cruzeiro que foi jornalista do “República”, está vivo e
tem um “bom tacho” na RTP, e Rui Cabeçadas que é ou foi advogado.
E digo
“é ou foi “ porque calculo que teria a minha idade, talvez um pouco
mais, e não sei se é vivo ou já morreu.
Chega? Não, não chega que eu
tenho mais.
Sei que a vida na FPLN não era um “mar de rosas” para
todos. Bem pelo contrário: as guerras entre essa organização e o p.c.p.
era violentíssima. Chegou-se ao ponto de o p.c.p. ocupar a rádio pela
força e a FPLN responder com um contra-golpe que consistiu em levantar
os depósitos bancários do p.c.p., factos que obrigaram o governo
argelino a intervir para pôr as coisas no lugar.
E como nem o Dr. Pedro
dos Santos Soares, membro da cúpula do p.c.p. enviado para
Argel conseguiu pacificar as hostes, este partido decidiu jogar a última
cartada: nem mais nem menos do que Humberto Delgado.
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Álvaro Cunhal e o General Humberto Delgado |
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Estava no Brasil,
sofria de doença grave e foi a Praga para se tratar. Foi aí que o p.c.p.
o abordou e convenceu a ir para Argel. Foi-lhe dito que tudo o que se
pretendia era unir a oposição e derrubar o “regime fascista” português.
Ninguém se não ele poderia liderar essa união, preparar e comandar o
golpe. Convencido do seu prestígio, acreditou e foi para a Argélia.
Enganou-se, até porque nunca lhe passara pela cabeça que encontraria o
que na realidade encontrou. Desconhecia que o p.c.p. jamais perdoaria a
“traição” de Piteira Santos, que, embora marxista e reconhecido como
tal, havia falado na PIDE.
Mas havia outros problemas não menos graves:
Humberto Delgado era um impulsivo e queria uma revolução imediata.
O
p.c.p., mais preparado politicamente, respondia que aprendera as lições
da guerra civil de Espanha e da própria Guatemala. Era para eles
evidente que “nenhuma revolução poderia triunfar sem que antes
conseguisse o apoio das Forças Armadas”.
Não embarcava em
aventureirismos.
Virou-se para a FPLN e a ela aderiu.
Só que, logo que
pôs o problema da revolução imediata, foi-lhe respondido que Lenine
ensinava que “nenhuma revolução de massas poderia ser ganha sem que
tivesse o apoio de uma parte do exército que houvesse servido o regime
anterior”.
Não percebera que uns e outros eram marxistas e sabiam que o
comunismo não tinha a mínima hipótese de governar Portugal.
O que
interessava a todos era entregar a África Portuguesa à União Soviética.
E
isto significava para Delgado que “entre dois mundos ficara sem mundo”.
Tentou, por sua vez, a última cartada: era amigo e um grande admirador
de CHE GUEVARA que se transformara em mito de todos os revolucionários
de todo o mundo. Pediu a sua ajuda e GUEVARA aceitou. Foi para Argel e
por lá ficou uns tempos mas nada fez.
Nem podia fazer: GUEVARA era
agente do KGB soviético. E os interesses de Moscovo estavam muitíssimo à
frente de Humberto Delgado, que ficou só. Sem dinheiro, sem saúde e sem
apoios ameaçou entregar-se às Autoridades Portuguesas.
Foi o seu fim.
Não sei como nem em que circunstâncias. Tudo o que sei – e já o disse
várias vezes – é que essa história continua mal contada.
Quem sabe se o
senhor Manuel Alegre não poderia levantar uma pontinha do véu?..."