domingo, 21 de fevereiro de 2021

"A América está de regresso"... ameaçou Joe Biden

“Envio uma mensagem clara para o mundo: A América está de regresso!”, disse Joe Biden. Numa época tão sui generis e momento crítico das relações internacionais, o recém chegado presidente dos Estados Unidos lançou o mote e avisou que maior potência militar do planeta está comprometida na defesa da aliança transatlântica a todo o custo e que “os EUA estão determinados, determinados em voltar a engajar-se com a Europa”.

Biden deixou-o claro ontem, discursando na (tele)Conferência de Segurança de Munique, foro atlantista por excelência, onde este ano tiveram palavra entre outros, Guterres, Von der Leyen, Kerry e até a dupla Gates-Adhanom. Mas sobretudo os líderes da Alemanha, França e Reino Unido, os aliados que contam para estes temas.

Não é o regresso ao Acordo de Paris, a vontade de retomar o JCPOA, ou a extensão do New Start com os russos que nos devem preocupar na nova administração de Washington. Pelo contrário, estes são os gestos que se esperam de um país com o poderio militar e inerente responsabilidade dos EUA.

O discurso de Biden também não infundiria temor não fosse pelo facto de ele mesmo ter sido o vice-presidente de Obama, com as suas quase 30 mil bombas lançadas sobre sete países pobres, abrindo as portas da Europa a milhões de refugiados que não param de chegar até o dia de hoje, num desequilíbrio demográfico sem precedentes para o nosso continente.

E não fosse o mesmo Biden um hábil tecnocrata do aparelho, com uma longa trajectória de responsabilidades desde as guerras dos Balcãs e do Iraque, passando pelas suas ligações ao Estado profundo e ao complexo-industrial-militar. A escolha da nova equipa para política externa e de defesa deixa claros os altos vínculos dos seus nomes com as empresas do bilionário negócio da guerra.

É legítimo sim, temer o regresso das guerras sem fim a que nos habituámos desde ’91, uma catástrofe que a maquinaria de propaganda já nem consegue disfarçar com a habitual narrativa humanitária, tão ao jeito dos progressistas norte-americanos, que bem representa a actual administração.

Naquele que foi a seu primeiro discurso aos parceiros da NATO, Biden fez questão em invocar muito claramente o artigo 5 da organização, que faz referência à defesa colectiva e remarcar que “um ataque a um, é um ataque a todos!“.

Num discurso onde até deu um toque dramático e maniqueísta, aferiu que vivemos um “ponto de inflexão” da história do mundo, onde há que escolher entre as democracias ou as autocracias e foi ao cerne: os desafios que supõe a concorrência desleal da China a nível comercial e tecnológico, e sobretudo “a ameaça da Rússia”, onde foi mesmo mais longe e tocou na ferida: “a soberania e integridade territorial da Ucrânia permanecem uma preocupação vital para a Europa e os EUA”.

Na mesma semana em que a NATO fez saber que adiará a sua retirada do Afeganistão, que reforçará a sua presença de 500 para 4000 homens no Iraque, e que os EUA construiu uma segunda base no norte da Síria, Biden vincou ainda que suspendeu a retirada progressiva de tropas americanas da Alemanha anunciada no ano passado pelo seu antecessor, Donald Trump.

Deixando de lado uma cada vez mais difícil intromissão na política interna russa pelos métodos disruptivos tradicionais, mas abrindo uma brecha entre a Rússia e a UE, é difícil prever com que rapidez escalarão os acontecimentos no leste da Europa (Crimeia, Donbass, Bielorrússia). Fica no entanto claro que a nova administração Biden-Harris trabalha prioritariamente no sentido de provocar um possível um casus belli com Moscovo, usando as fronteiras da Europa como arma de arremesso.

Após um período de relativa calma de quatro anos, saber que a “América está de volta” e que a nova administração quer que a “Europa e os EUA assegurem o futuro juntos” nas próprias palavras de Biden de ontem, é razão para temer que nos areópagos atlantistas algo se planeia, e desta vez é também no nosso continente.


Ricardo Costa

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