sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

HISTÓRIAS DE BENGUELA - O AEROPORTO DO DOKOTA


Antes da década de sessenta, Benguela não tinha aeroporto e a vizinha cidade do Lobito já possuía um operacional. Qualquer benguelense que tivesse que fazer uma viagem de avião, tinha que percorrer os trinta quilómetros que separam as duas cidades. Para os benguelenses, o problema não eram os quilómetros, mas sim deslocarem-se ao Lobito, cidade rival, para apanhar um avião, sendo Benguela a capital de distrito.

Várias forças vivas da cidade já tinham movido as suas influências junto das instâncias de decisão em Luanda, para que fosse construído um aeroporto, mas nem promessas havia. Diziam que já havia um aeroporto no Lobito e que chegava bem para as duas cidades, pois havendo apenas um voo por dia para luanda, não era justificável um outro aeroporto e não havia dinheiro tal investimento. Alem disso, parecia haver uma outra razão de peso, como Benguela sempre foi considerada uma cidade contestatária (desde os tempos de Cerveira Pereira, o seu fundador, que depois de fundar a cidade, foi amarrado e recambiado para Luanda, sem nunca mais regressar, desculpando-se que tinha que escrever o relatório dos acontecimentos que resultaram na sua expulsão) e assim qualquer iniciativa por parte dos habitantes da cidade para obterem melhorias, esbarrava sempre na má vontade de Luanda. Pelo menos, era esse o sentimento que havia nos habitantes da cidade.
Havia um pequeno aeroclube na cidade, que possuía alguns pequenos aviões, as “avionetas”, onde alguns pilotos podiam praticar a sua atividade, o Belém, o Estanqueiro, o Michelim, o Bastos, o Portinhas e ainda outros que lhes sucederam. Havia um barracão onde estacionavam os aviões e a pista era em terra batida e não tinha iluminação. Era uma estrutura que apenas tinha fins recreativos, mas por vezes era utilizada para algum voo de emergência (quando havia um desses voos noturno, o avião dava várias voltas por cima da cidade, para que os automobilistas se dirigissem à pista para a iluminar). Não havia qualquer vedação a proteger a pista, por vezes manadas de cabras e seus pastores atravessavam a pista em plena operação das aeronaves, provocando por vezes alguns acidentes, com apenas danos materiais. Um só grande acidente ocorreu nessa época, mas fora da zona do aeroporto, mas na Praia Morena, quando um desses aparelhos, fazendo um voo rasante, tocou com a asa na água, junto à praia, fazendo com que o piloto perdesse o controlo do avião, decapitando uma criança que estava na areia da praia, acabando por se despenhar num quintalão ao lado da Delegação Marítima de Benguela. Os banhistas presentes na praia, correram para os destroços do avião, retiraram os dois ocupantes ilesos e logo de seguida o aparelho explodiu.
Entretanto as manifestações dos Benguelenses exigindo a construção de um aeroporto iam sucedendo, com poucos resultados ou nenhuns. Já perto do fim da década de cinquenta, os habitantes da cidade e vários organismos públicos e privados, mobilizados pelo Radio Clube de Benguela, promoveram uma grande concentração nos morros do Docota, local onde era proposto a construção do aeroporto. A manifestação foi um grande sucesso, pois toda a população, incluindo as dos bairros periféricos da cidade, ali se concentraram, escutando os vários discursos proferidos e transmitidos em direto pela radio. Nesse instante uma pequena aeronave do aeroclube, pilotada pelo conhecido senhor Estanqueiro, fazia alguns voos rasantes sobre os participantes, ocasionado uma grande ovação pelos presentes e acabando mesmo por aterrar num descampado muito próximo da multidão, que de seguida rodearam o aparelho e o piloto, que de pronto, concedeu uma entrevista na rádio, para gaudio dos presentes, afirmando que ali havia ótimas condições para um aeroporto. Nos tempos seguintes foram constantes os apelos feitos pela radio aos cidadãos e empresas da cidade para que contribuíssem com materiais de construção para a construção do aeroporto. Mais tarde foi agendado um cortejo de oferendas rumo ao local do futuro aeroporto, que acabaria por ser um grande sucesso, pois todos contribuíram, muitos apenas levavam um tijolo ou um pequeno saco de brita (os próprios habitantes dos bairros periféricos aderiram com pequenas ofertas, que no todo se revelaram grandes). O meu avô ofereceu as escadas para os passageiros subirem para os aviões. Finalmente ao fim de uns anos de insistência, o governador geral de Angola, Venâncio Deslandes, dava luz verde para a construção do aeroporto, nos morros do Docota.
Logo no início da construção surgiu um obstáculo na implantação da pista. O solo era composto por argilas deslizantes, originando alterações no projeto do traçado da pista, com o consequente atraso no arranque das obras, promovendo as mais variadas especulações na população, dizendo que era mais uma desculpa para impedir a construção. Resolvida a questão dos solos, a obra foi feita e inaugurada em 1963, com o nome de “Aeroporto General Venâncio Deslandes”.
Benguela já tinha aeroporto, mas não tinha aviões e não foi fácil tê-los. Depois de inaugurado o aeroporto, a DTA (a companhia aérea angolana) não se dispunha a realizar voos para Benguela, preferindo sempre o Lobito. Depois de novas insistências das autoridades da cidade, a companhia aérea resolveu agendar apenas um voo semanal para o aeroporto, mas seria um voo, num velho DC3 Dakota e de Benguela para Huambo e volta. É claro que ninguém utilizava esse voo, pois ir ao Huambo, com as boas estradas existentes, as pessoas preferiam viajar de carro. Mas assim continuou durante bastante tempo, até que decidiram que o mesmo avião fazia a viagem para Luanda, mas escalando, Lobito, Novo Redondo e Porto Amboim e por fim Luanda, quatro horas de voo, um pouco menos do que uma viagem de carro para o mesmo trajeto. Só após o 25 de Abril de 1975 o aeroporto ficou a funcionar em pleno.
Hoje, alem dos aeroportos de Benguela e Lobito existe o da Catumbela, precisamente no meio das duas cidades.
João Sá Pinto

Nota Editor: A pista de aterragem do "Dokota", aeroporto 17 de Setembro, foi reaberta ao tráfego aéreo no dia 14 de Março de 2005, com a aterragem de uma aeronave Focker 50, três meses depois de ter sido encerrada para obras que obrigaram ao embarque e desembarque no aeroporto da Catumbela. A obra esteve a cargo da empresa Lugomaco, e custou 60 mil dólares.
Com 1620 metros de comprimento e 30 de largura, é consenso da equipa técnica que o novo piso receba apenas aeronaves de pequeno e médio porte, com peso igual ou inferior a 21 toneladas. O aeroporto de Benguela deixou de receber aeronaves de grande porte há mais de 20 anos, devido a limitações impostas pela extensão da sua pista de aterragem. Receber aeronaves de grande porte passa pela concretização de um projecto da Enana, que visa ampliar em 600 metros a pista de aterragem.

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