sexta-feira, 21 de junho de 2024

Portuguesmente falando:::


Antes de ir desta para melhor, vou dar com a língua nos dentes e lavar roupa suja. Com a faca e o queijo na mão, com uma perna às costas e de olhos fechados, vou sacudir a água do capote. Ainda tirei o cavalinho da chuva, tentei riscar este assunto do mapa, mas eu sou uma troca-tintas, uma vira casacas e vou voltar à vaca fria.
Andava eu a brincar aqui com os meus botões, a chorar sobre o leite derramado, com bicho carpinteiro e macaquinhos na cabeça, quando decidi procurar uma agulha no palheiro. Eu sei, eu não bato bem da bola, mas sentia-me pior que uma lesma e tinha uma pedra no sapato. O problema é que andava a bater com a cabeça nas paredes há algum tempo, com um aperto no coração e uma enorme vontade de arrancar cabelos.
Passei muitos dias com cara de caso e com a cabeça nas nuvens como uma barata tonta. Mas eu, que sou armada até aos dentes, arregacei as mangas e procurei o arquivo a eito. Acontece que uma vez em conversa com um amigo ele disse-me «Tiras-me do sério» e eu, sem papas na língua, respondi «Se te tiro do sério, deixo-te a rir, é isso?».
Ele, de trombas e com os azeites, gritou em plenos pulmões «Esquece Mafalda, escreves belissimamente mas não conheces nem 1/4 das expressões portuguesas.»
Só faltou trepar paredes. É preciso ter lata! O primeiro milho é dos pardais. Primeiro pensei ter posto a pata na poça, depois achei que ele tinha acordado com os pés de fora e que estava a fazer uma tempestade num copo d´água e trinta por uma linha. Fiz vista grossa, mas depressa disse Ó tio! Ó tio!
Abri-lhe o coração, o jogo e os olhos na esperança de acertar agulhas e pôr os pontos nos is. Não lhe ia prometer mundos e fundos nem pregar uma peta, eu estava mesmo a brincar. Era um trocadilho. Pão, pão, queijo, queijo. Rebeubéu, pardais ao ninho, fiquei com os pés para a cova, só me apeteceu pendurar as botas e mandá-lo pentear macacos, dar uma volta ao bilhar grande ou chatear o Camões.
Que balde de água fria! Caraças, levei a peito, aquela resposta era tão sem pés nem cabeça que fui aos arames. Eu sei que dou muitas calinadas, meto os pés pelas mãos e faço tudo à balda. Posso até ser uma cabeça de alho chocho e andar sempre com a cabeça nas nuvens mas não ia meter o rabo entre as pernas nem que a vaca tossisse.
Pus a cabeça em água e fiquei a pensar na morte da bezerra. Caí das nuvens e com paninhos quentes passei a conversa a pente fino, não fosse bater as botas. Percebi que ele tinha trocado alhos por bugalhos, apeteceu-me cortar-lhe as vazas, mas estava de mãos atadas e baixei a bola. Engoli o sapo, agarrei com unhas e dentes, dei o braço a torcer e dei-lhe troco com o intuito de descalçar a bota.
Não gosto muito do vira o disco e toca o mesmo, mas isto já são muitos anos a virar frangos e pus as barbas de molho. Uma mão lava à outra e as duas lavam as orelhas, mas ele está-se nas tintas, à sombra da bananeira. Não deu uma mãozinha nem deixou-se comprar gato por lebre. Ficou com a pulga atrás da orelha, pôs-se a pau antes de estar feito ao bife.
Pus mãos à obra, tentei fazer um negócio da China e bati na mesma tecla. Dados lançados, cartas na mesa, coisas do arco da velha. Claro que dei com o nariz na porta, o gato comeu-lhe e língua e saiu com pés de lã. Água pela barba! Devia aproveitar a boleia antes de ficar para tia de pedra e cal onde Judas perdeu as botas.
É que isto pode estar giro e estar fixe, mas não me apetece segurar a vela com dor de corno e dor de cotovelo só porque não conheço 1/4 das expressões portuguesas.
MAFALDA SARAIVA

sábado, 9 de dezembro de 2023

Socialismo é o mesmo que comunismo?


Para Karl Marx e Friedrich Engels, a resposta foi sim. Eles usaram essas duas palavras de forma intercambiável. O seu livro mais famoso é, obviamente, o Manifesto Comunista. No entanto, há também um livro um pouco menos famoso que acompanha o Manifesto Comunista, escrito por Friedrich Engels na década de 1880, chamado "Socialismo: Utópico ou Científico". Por que ele escolheu o socialismo no título do livro em vez do comunismo? A resposta é que ele não os via como significativamente diferentes um do outro. Para os primeiros marxistas, eram definitivamente sinónimos.

Isso mudou ligeiramente no início do século XX, quando Lenin reorganizou ligeiramente a terminologia. Marx e Engels não fizeram distinção entre socialismo e comunismo, mas traçaram uma distinção de tipo diferente. Eles disseram que a nova sociedade que imaginavam, quer você queira chamá-la de socialismo ou de comunismo, viria em dois estágios diferentes. O primeiro estágio seria uma economia estatal. E não qualquer Estado, mas um Estado gerido colectivamente pela classe trabalhadora, um Estado operário, a ditadura do proletariado. Mas também disseram que, a dada altura, o Estado deixaria de ser necessário porque um Estado é sempre um instrumento da classe dominante. O objectivo do socialismo, claro, era criar uma sociedade sem classes. Uma vez que se tenha uma sociedade sem classes, sem classes dominantes ou oprimidas, então o Estado não é mais necessário e simplesmente desapareceria.


Marx e Engels não tinham palavras diferentes para estas duas fases; eles apenas os chamavam de estágio inferior e estágio superior. Lenin descreveu o primeiro estágio como socialismo e o estágio superior como comunismo. Para Lenine, o socialismo é uma economia estatal, enquanto o comunismo é a utopia final, uma sociedade sem Estado algum. Esse se tornou o uso marxista padrão no século XX. Mesmo para Lenine, o socialismo e o comunismo não eram ideologias diferentes; eram apenas diferentes estágios de desenvolvimento dentro do mesmo sistema. Quando Lenin discutiu a ideologia, ele não viu uma distinção entre socialismo e comunismo. Ele às vezes se autodenominava socialista, às vezes comunista, sem distinção aparente. Ele os usou de forma intercambiável enquanto falava sobre a ideologia. Este continua sendo o uso marxista até hoje. Os autodenominados comunistas não teriam problemas em serem chamados de socialistas.

Todo comunista também ficaria feliz com o rótulo de socialista. No entanto, hoje em dia, nem todos os socialistas aceitariam automaticamente também o rótulo de comunistas. Isto não ocorre tanto porque sejam ideologias fundamentalmente diferentes, mas porque as conotações das palavras mudaram. Na Grã-Bretanha, a palavra comunismo soa muito mais radical do que socialismo. Chamar-se de socialista não parece particularmente controverso, ao passo que chamar-se de comunista pode ser mais controverso. O que mudou não foi que se tornaram ideologias diferentes, mas que as conotações das palavras mudaram. O socialismo tornou-se mais suave, mais abrangente e mais difundido, enquanto o comunismo manteve o antigo significado.
Portanto, se são sinónimos depende de com quem você está falando. Se você está conversando com um marxista ortodoxo, então sim, você pode usá-los como sinónimos. No entanto, se estivermos a falar com um tipo de socialista mais difuso, alguém que usa o socialismo mais no sentido de um conjunto de valores ou de um conjunto de políticas, então já não podemos assumir automaticamente que é o mesmo que comunismo. Depende simplesmente de com quem você está falando. No entanto, se estamos a falar de um renascimento do socialismo hoje, o que claramente tem havido, então estamos a falar de um renascimento do verdadeiro marxismo. Não estamos falando de pessoas que apenas fazem mau uso da palavra. Portanto, penso que no contexto actual é absolutamente justificável usar socialismo e comunismo de forma mais ou menos intercambiável, porque muitos dos que hoje se auto denominam socialistas também o fazem. Se funciona para eles, também deve funcionar para nós.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

O que é a Nova Ordem Mundial ?

O Termo New World Order (NWO) tem sido utilizado por muitos políticos através dos tempos, e é o termo genérico utilizado para nos referimos à conspiração global que está a ser orquestrada por indivíduos extremamente poderosos e influentes, geneticamente relacionados (pelo menos nos níveis mais altos) que inclui algumas das pessoas mais ricas do mundo, líderes políticos de topo e elite das corporações assim também como os membros da chamada “família real europeia” (dominada pela coroa Britânica) e a sua meta é criar um governo fascista mundial, acabando com as fronteiras nacionais e regionais e controlar tudo e todos. 
Leiam o que disse o banqueiro Sionista, Paul Warburg: 
"Teremos um governo mundial quer queiram quer não. A única questão é se esse governo será conseguido por conquista ou com consentimento. (17 de Fevereiro de 1950, tal como foi testemunhado no Senado Americano). 
A intenção deles é ter total e completo controle sobre qualquer ser humano existente no planeta e reduzir dramaticamente a população mundial em 2/3. Enquanto que o nome “Nova Ordem Mundial” é o termo mais frequentemente utilizado para nos referirmos vagamente a alguém envolvido nesta conspiração, o estudo de exactamente quem faz parte de este grupo é complexo e intrigante.

Em 1992, o Dr. John Coleman publicou o livro Conspirators Hierarchy: The Story of the Committee of 300 (Hierarquia dos Conspiradores: A História do Comité dos 300). Com uma boa bolsa de estudo e uma pesquisa meticulosa, Dr Coleman identifica os jogadores e cuidadosamente demonstra os planos da Nova Ordem Mundial para um domínio e controlo mundial. Na página 161 do livro Conspirators Hierarchy, Dr Coleman sumariza com precisão as intenções e propósitos dos Comité dos 300:

“Um Governo Mundial e um sistema único monetário, numa permanente hierarquia sem eleições que se auto nomeiam entre si na forma de um sistema feudal como era feito na Idade Média. Nesta entidade de “Um Mundo”, a população estará limitada por restrições no número de crianças por família, doenças, guerras, fome, até que 1 bilião de pessoas que são inúteis para a classe administradora, em áreas que serão claramente e estritamente definidas, sejam o total da população mundial.

Não existirá classe mídia, apenas governantes e escravos. Todas as leis serão uniformes de acordo com um sistema legal de tribunais mundiais que praticam o mesmo código legal unificado, reforçados por uma força policial e militar para impor as leis nos países formados onde não existirão fronteiras. O sistema estará na base dum estado de bem-estar, aqueles que forem obedientes e subservientes para o Governo serão recompensados com os meios para sobreviver; os rebeldes irão simplesmente morrer a fome ou serão considerados fora-da-lei e serão um alvo para qualquer pessoa que os queira matar. Possuir armas de fogo ou qualquer tipo de arma serão proibidas entre o povo.

Porquê que a conspiração é desconhecida ?

A complexa rede enganosa que rodeia os indivíduos e organizações envolvidas nesta conspiração fazem “limpezas cerebrais”, mesmo aos mais astutos entre nós. Muitas pessoas reagem com cepticismo e não acreditam, desconhecendo que foram condicionados a reagir com cepticismo por influência de instituições e mass-media. 

O autor do livro “The Top 13 Illuminati Bloodlines” (As 13 grandes linhagens dos Illuminati) diz que a maioria das pessoas têm barreiras mentais que impedem o cérebro de fazer uma examinação crítica a certos tópicos sensíveis. As “barreiras mentais” são um termo usado na CIA para um tipo de resposta condicionada que bloqueia o pensamento de uma pessoa e acaba com ele. Por exemplo, à menção da palavra “conspiração”, muitas pessoas reagem como se se tratasse de algo inventado por alguém saído dum hospital psiquiátrico, não querem sequer ouvir falar porque acham invenção, e é essa resposta que os Illuminati esperam que tenhamos quando ouvimos falar de conspirações, para continuarmos a ser ignorantes em relação ao que querem fazer connosco.

O que muitas pessoas acreditam que seja a “Opinião Pública” está na realidade a ser cuidadosamente manipulada por propaganda encriptada, feita para incitar uma resposta comportamental desejada pelos manipuladores. As votações de opinião pública são feitas com a intenção de calibrar a aceitação do público aos programas planeados da Nova Ordem Mundial. Uma exibição forte nas votações diz-lhes que a programação "está a ser feita", enquanto que uma exibição pobre diz aos manipuladores da Nova Ordem Mundial que têm que refazer ou modificar a programação até que a resposta desejada seja conseguida.

A NWO Modus Operandi

Os conspiradores globais da Nova Ordem Mundial manifestam os seus planos através da manipulação das emoções humanas, especialmente medo. Nos séculos passados, eles têm repetidamente utilizado a técnica de propaganda que o pesquisador e autor David Icke tem caracterizado no seu novo livro, The Biggest Secret, Problema, Reacção, e Solução.

A técnica e a seguinte: estrategistas da Nova ordem Mundial criam o Problema - financiando, montando, e treinando um grupo de oposição para estimular o conflito num poder politico estabelecido (pais soberano, região, continente, etc...). Em décadas recentes, os chamados grupos opositores são normalmente identificados nos media como 'freedom fighters' ou 'libertadores'.

Ao mesmo tempo, os líderes do poder politico onde o conflito está a acontecer e demonizado, e por isso, referido como um “novo Hitler” (faça a sua escolha: Saddam Hussein, Milosevic, Kadaffi, etc.). Os 'freedom fighters' não e de todo anormal montarem a partir de elementos locais criminosos(trafico de drogas). No espírito de maldade, os mesmos estrategistas da NWO estão igualmente envolvidos em operações de armar e dar apoio a líderes de países estabelecidos (a NWO lucra sempre com qualquer conflito armado, emprestando dinheiro, armando, e apoiando as partes envolvidas no conflito).O conflito é elevado para o palco mundial dos media com grandes quantidades de fotos e vídeos. Reportagens de atrocidades horríficas e sangrentas sofridas por civis inocentes. Assim e pedida ajuda "Algo tem de ser feito!" e ai esta a desejada reacção.

Os fantoches da NWO proporcionam a Solução enviando as tropas da UN 'Peace Keepers' (Bósnia) ou a UN 'Coalition Force' (guerra do Golfo) ou bombardeiros da NATO e depois tropas no solo (Kosovo), ou por causa de armas de destruição maciça, Que claro nunca serão encontradas. Uma vez instalados os soldados de paz, os 'peace keepers' nunca mais saem. A ideia é ter tropas controladas pela NWO em todos os países grandes e em áreas estratégicas onde resistência a NWO possa ser grande.

O que é a Nova Ordem Mundial ?

A parte corporativa da Nova Ordem Mundial é dominada pelos banqueiros internacionais, barões do petróleo e carteis farmacêuticos, também como outras corporações multinacionais. A família real inglesa, principalmente a Rainha Elizabeth II e a casa de Windsor, (que são na realidade, de facto, descendentes da realeza Europeia alemã – a família Saxe-Coburg-Gotha – mudou o nome para Windsor em 1914), são jogadores muito altos nos poucos governantes que controlam o topo da NWO. O centro das decisões e em Londres (especialmente a cidade de Londres), Basel Suiça, e Bruxelas (Sede da NATO).

As Nações Unidas, juntamente com todas as agências a trabalhar para a ONU, tais como Organização Mundial de Saúde, são jogadores a tempo inteiro no esquema. E a NATO é uma ferramenta militar da NWO.

Os Lideres dos maiores países industrializados como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália, Austrália, Nova Zelândia, etc. (membros do "G7/G8") estão activos e plenamente cooperativos nesta conspiração. Neste século, o grau de controlo exercido pela NWO tem avançado até o ponto que apenas certos indivíduos escolhidos a dedo, que são seleccionados e manipulados tem a possibilidade de se tornarem o primeiro-ministro ou presidente de países como Inglaterra, Alemanha, ou os Estados Unidos. Não interessou se ganhava Bill Clinton ou Bob Dole nas presidenciais em 1996, os resultados teriam sido os mesmos. Ambos estão a lutar na mesma equipa. Qualquer um que não jogue na equipa e retirado: Alguém se lembra do Presidente Kennedy, Ali Bhutto (Paquistão) e Aldo Moro (Italia). Mais recentemente, Admiras Borda e William Colby foram também assassinados porque ou não queriam fazer parte da conspiração para destruir a América, não colaboravam, ou tentavam expor os planos da NWO.

O papel da Nova Ordem Mundial em moldar a história

Maior parte das grandes guerras, golpes de estado, e depleções/redenções econômicas dos últimos 100 anos (e antes) foram cuidadosamente planeadas e iniciadas pelas manipulações dessas elites. Elas incluem a guerra Espanha – América (1898), primeira guerra mundial e a segunda guerra mundial; a grande depressão; a revolução Bolshevik de 1917; o aparecimento da Alemanha Nazi; a guerra coreana; a guerra do Vietname; 1989-91 "queda" do comunismo Soviético; 1991 guerra do golfo; guerra no Kosovo. Até a revolução Francesa foi orquestrada pelos elementos da Nova Ordem Mundial.

[...] A aquisição e consolidação de ainda maior riqueza, recursos naturais, poder politico total, e controlo sobre outros são as forças motivadoras que fazem as decisões dos lideres da NWO. O sofrimento humano e o número de vidas inocentes não são um problema para estes indivíduos. Um livro esclarecedor e vividamente recomendado, que serve de complemento a esta informação: Pike, Theodore Winston. 1986. Israel, Our Duty, Our Dilemma. Big Sky Press, EUA, 345 pp

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A CIA avisou Kennedy: deixe o Ultramar português em paz!

Documentos históricos recentemente revelados pela agência norte-americana de informações provam que nem toda a gente nos Estados Unidos estava de acordo com a política africana de John Kennedy: a ajuda da Casa Branca aos movimentos terroristas no Ultramar português não evitou, afinal, que eles se aliassem à União Soviética e acabou por revelar-se trágica para a Metrópole e para as populações africanas.
“Portugal: de Império a país pequeno” é o título de um dos importantes documentos que a Central Intelligence Agency (CIA) disponibilizou há pouco, ao abrigo de um programa de transparência estatal. Memorandos e outros documentos da CIA cuja relevância para a segurança nacional do país já tenha caducado podem agora ser consultados – e nesse lote encontram-se peças históricas relevantes para se compreender a posição dos Estados Unidos face a Portugal durante o período das guerras em África (1961 a 1974) e no período revolucionário que se seguiu ao golpe de 25 de Abril de 1974.
A parte mais interessante destes documentos diz respeito à política africana dos Estados Unidos nos anos 60. O início do terrorismo em Angola, em 1961, coincidiu com o início do mandato presidencial de John Kennedy – e sabe-se como os Estados Unidos apoiaram então, diplomaticamente e com financiamentos, os primeiros movimentos terroristas angolanos, em especial a UPA, antecessora da FNLA, cujo chefe Holden Roberto recebia de Washington uma tença mensal de 900 dólares.
Contudo, ao incentivar as forças anti-portuguesas em África, Kennedy ignorou deliberadamente os muitos relatórios que a CIA elaborou sobre as nossas províncias ultramarinas portuguesas antes mesmo de o terrorismo começar a semear a violência na província angolana do Congo, em 14 de Março de 1961.
A tese de John Kennedy e dos seus assessores do Departamento Africano da Casa Branca é bem conhecida: os Estados Unidos deviam apoiar o movimento independentista africano para evitar que este procurasse auxílio no bloco comunista. A ingénua convicção de Kennedy, de que assim os emancipalistas se manteriam “pró-americanos”, levou-o a estabelecer alianças contra-natura com dirigentes esquerdistas africanos, como Kwame Nkrumah, do Gana, e a manter na ONU uma perigosa política de entendimento com o bloco afro-asiático, em prejuízo de velhos aliados ocidentais como Portugal e a França.
Num dos relatórios da CIA agora disponíveis, datado de 1959 e intitulado “As perspectivas para Portugal”, os agentes norte-americanos avisavam a Casa Branca de que “estas possessões ultramarinas, que são consideradas pelos portugueses como partes integrantes de Portugal e não como colónias, representam os últimos vestígios de um passado orgulhoso, mas os territórios africanos também representam a sua melhor esperança de prosperidade futura”. Assim, a CIA recomendava à administração dos EUA que não interferisse na política ultramarina portuguesa, prevendo que Portugal se manteria um aliado vital da NATO mesmo que tivesse de combater para preservar a sua integridade nacional, como de facto sucedeu.
Mas Kennedy ignorou propositadamente todas as recomendações que contrariassem a política anti-ocidental dos seus assessores de tendências esquerdistas. Os EUA apoiaram a UPA e todos os movimentos de pretensa “libertação das colónias”, entrando em choque com o Presidente do Conselho português, Oliveira Salazar, e dificultando tanto quanto puderam a vida a Portugal na defesa do Ultramar. Assassinado em Novembro de 1963, Kennedy não viveu o suficiente para conhecer os resultados trágicos da sua política africana.
Em 1964, os EUA reconheciam aquilo que Portugal há muito que afirmava. No documento “Perspectivas a curto prazo para os movimentos nacionalistas africanos em Angola e Moçambique”, os norte-americanos admitiam que de nada servira o seu apoio aos movimentos terroristas, pois estes “provavelmente vão procurar ajuda, incluindo armamento, da URSS e da China comunista”. Em Moçambique, a CIA considerava já que “as forças armadas portuguesas e os serviços de segurança parecem ter o controlo da situação”, notando que “o movimento nacionalista moçambicano é mais importante em termos políticos do que como ameaça física”. E a CIA concluía: “Portugal pode conseguir manter o controlo de Angola e Moçambique por muitos anos”.
Em 1970, novamente contrariando a visão da “guerra perdida”, os serviços de informações dos EUA consideravam claramente que o conflito se inclinava militarmente em favor dos portugueses e que era necessário manter à distância a influência comunista em África. Nesse ano, um memorando do secretário de Estado Henry Kissinger dirigido ao Presidente Nixon recomendava que os EUA aliviassem o embargo de venda de armas a Portugal, notando que “um ligeiro relaxamento da política de fornecimento de armamento seria um gesto útil que diria a [Marcello] Caetano, agora que as negociações sobre os Açores se aproximam, que nós falamos a sério quando discutimos uma posição menos doutrinária” [em relação à posição portuguesa em África].
Os EUA reconheceram mais uma vez que Portugal tinha o conflito controlado, e que era melhor “evitar pressões sobre os portugueses” devido à “forma benigna como muitos africanos vêem Portugal”. E em Janeiro de 1974, a poucos meses do golpe de 25 de Abril, já analisavam concretamente formas de lidar com a reacção europeia à venda aberta de armas ao Estado português para combater a insurreição, algo que revela que, para os americanos, a guerra em África não se encontrava perdida.
Num documento datado de 1971, a CIA dissecava a política económica de Marcello Caetano, sucessor de Salazar, e assinalava a larga autonomia que o Governo português tinha concedido às Províncias Ultramarinas em 1970  (um estatuto não muito diferente das actuais Regiões Autónomas), e que no entender dos norte-americanos se destinava a “gradualmente preparar Angola e Moçambique, tanto economicamente como politicamente, para serem Estados multirraciais mantendo as suas fortes ligações com Portugal”. Os EUA acreditavam que, em vez da “descolonização exemplar” abrilista, era possível que Portugal viesse a conseguir formar “uma Comunidade de Estados de Língua Portuguesa”, caso se mantivesse fiel ao seu percurso, uma solução que permitiria “acomodar a orientação europeia portuguesa”.
Após o 25 de Abril, já com a hecatombe à vista, os agentes da CIA defendiam a preservação da presença portuguesa em África. Num relatório de Setembro de 1974, os americanos receavam pela prosperidade tanto das Províncias Ultramarinas como do território metropolitano, notando que “as relações económicas entre a metrópole e os três territórios [africanos] tem sido justas e de um beneficio mútuo”, visto que “nenhum dos lados tinha uma particular vantagem”. O documento adianta que o balanço comercial positivo que Portugal tinha com África era compensado pelas “grandes transferências Estatais para as províncias — 180 milhões só em 1973”.
O Portugal pós-abrilino apresentava já todos os sintomas da tragédia que fulminaria o País entre Setembro de 1974 e Novembro de 1975: a bancarrota estava à vista, depois de “a Junta [de Salvação Nacional] ter prometido quase tudo: inflação reduzida, ordenados mais elevados, mais investimento, mais regulação ambiental, comércio liberalizado, reforma fiscal, descentralização económica, uma melhor segurança social, e mais” – um cardápio que antecipava o “provável fracasso” do Portugal “dos capitães”.

in, Jornal "O Diabo".

sábado, 2 de setembro de 2023

Estado pária dos EUA exposto

O crime de Imran Khan foi não ter aderido às sanções impostas pelos EUA à Rússia e não ter cortado relações com Moscovo


É difícil acreditar que o Estado pária dos EUA ainda seja considerado como um farol da democracia e dos direitos humanos por grande parte do público que sofreu lavagem cerebral no Ocidente colectivo. Com base em documentos oficiais do governo dos EUA que foram agora desclassificados, ficou provado que, só entre 1947 e 1989, o regime dos oligarcas de Washington levou a cabo 64 operações secretas de mudança de regime noutros Estados e derrubou governos que não lhe agradavam, quer fossem democraticamente eleitos ou não. Encoberto significa que não houve qualquer vestígio em relação aos EUA. Mesmo quando o primeiro-ministro Imran Khan, que era popular entre todos os sectores da população paquistanesa, foi derrubado por um voto de desconfiança no parlamento no início de abril de 2022, muitos observadores suspeitaram que os criminosos de Washington tinham mais uma vez mexido os cordelinhos, mas não havia provas.

No entanto, a prova que faltava apareceu agora, sem margem para dúvidas, sob a forma de um despacho do embaixador paquistanês em Washington. Nesse despacho, o embaixador relatava, após uma reunião com altos funcionários do Departamento de Estado dos EUA, como estes tinham exigido o derrube do primeiro-ministro Khan e perspectivavam maus tempos para o Paquistão se este não obedecesse.

O conteúdo do despacho foi, desde então, registado em todo o mundo, especialmente nos países do Sul Global, uma vez que constitui uma lição objetiva para a comunidade internacional sobre as mudanças de regime pelo regime dos EUA que continua a ter lugar em todo o mundo. Apenas os meios de comunicação social da comunidade ocidental e defensores da ordem baseada em regras ignoraram firmemente o envio do embaixador paquistanês. Por conseguinte, anexei a este artigo uma tradução alemã completa do despacho.

Derrubar o primeiro-ministro paquistanês democraticamente eleito, Imran Khan, tendo em conta a sua imensa popularidade entre todos os sectores do povo, não deve ter sido "uma tarefa fácil" para quem puxa os cordelinhos dos EUA e exigiu "esforços organizados", comentou o famoso professor norte-americano Jeffrey Sachs numa análise crítica da mudança de regime de Washington, agora comprovada e já não encoberta.

Neste contexto, é essencial referir o trabalho académico do professor Lindsay O'Rourke, que provou, com base em documentos oficiais, agora desclassificados, do governo dos EUA, que houve um total de 70 operações de mudança de regime dos EUA durante o período da Guerra Fria, entre 1947 e 1989, a maioria das quais envolveu países amigos e mesmo aliados dos EUA. Destas, 64 tiveram lugar de forma encoberta, o que significa que não houve qualquer vestígio discernível para os EUA. 64 operações secretas de mudança de regime dos EUA em pouco mais de 40 anos significa: uma mudança de regime aproximadamente de meio em meio ano.

No entanto, a investigação de O'Rourke demonstrou que uma operação de mudança de regime após outra se revelou, mais cedo ou mais tarde, um fracasso e, em muitos casos, conduziu mesmo a catástrofes como a desestabilização da sociedade, a guerra civil e o terrorismo.

Se se actualizasse agora o livro de O'Rourke, ter-se-ia de acrescentar pelo menos mais uma dúzia de operações de mudança de regime levadas a cabo pelos patifes de Washington. Destas, a revolta Maidan de 2014 na Ucrânia é certamente a operação mais espetacular dos EUA e a mais devastadora nas suas consequências. No entanto, a mudança de regime desonesta na potência nuclear do Paquistão também tem consequências não menos nefastas.

Depois de o primeiro passo para destituir o primeiro-ministro Imran Khan ter fracassado em 3 de abril de 2022 com a ajuda de um voto de desconfiança no parlamento, alguns dias mais tarde, em 9 de abril, um voto de desconfiança bem sucedido foi conseguido com justificações frágeis e truques administrativos, satisfazendo assim as exigências de Washington. Neste voto de desconfiança no Parlamento, 174 dos 342 deputados votaram a favor. Retirar o político mais popular do Paquistão do seu cargo com uma maioria muito reduzida de apenas 3 votos não deveria ter sido um problema, dada a enorme pressão de Washington num parlamento onde a corrupção floresce.

O facto de a corrupção estar envolvida foi também o consenso dos observadores internacionais críticos que seguiram com horror os desenvolvimentos desastrosos que se seguiram à queda de Khan no Paquistão. Mas faltavam provas tangíveis da mão diabólica de Washington. Entretanto, os media corporativos e governamentais do Ocidente coletivo mantiveram um silêncio férreo sobre os verdadeiros antecedentes do derrube do primeiro-ministro Khan. Este foi mesmo responsabilizado no Ocidente pela agitação sangrenta das massas civis contra os militares, que se abateu sobre todo o país.

No entanto, mais de um ano depois, a prova de que Washington era o mentor do golpe surgiu sob a forma do despacho acima mencionado. Este tinha sido enviado pelo então embaixador paquistanês nos EUA, a 7 de março de 2022, de Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Islamabad, a capital do Paquistão. Uma cópia deste despacho foi recentemente divulgada ao canal de investigação online "The Intercept" por um informador militar ou civil, aparentemente de alta patente. "The Intercept" publicou o documento na íntegra (1). Ainda não foi desmentido oficialmente.

O despacho foi enviado a 7 de março de 2022, apenas um mês antes da primeira tentativa de destituição de Imran Khan através do Parlamento. Nele, Asad Majeed Khan, então embaixador do Paquistão em Washington, relatava um almoço que tivera anteriormente com Donald Lu, secretário de Estado adjunto dos EUA para a Ásia do Sul e Central no Departamento de Estado, e o seu acompanhante, Les Viguerie.

A essência do despacho era que os EUA estavam muito descontentes com o primeiro-ministro Imran Khan e ameaçavam que se Khan fosse autorizado a continuar como antes no Paquistão, isso teria consequências desagradáveis para o país. Mas tudo isto poderia correr muito melhor se algo acontecesse e Khan deixasse de ser primeiro-ministro.

De acordo com o despacho, Donald Lu, que no texto é designado abreviadamente por Don, queixou-se sobretudo da posição neutral do Paquistão na crise da Ucrânia, a que chamou reprovavelmente "neutralidade agressiva" (uma contradição em termos). E também noutros aspectos, o alto funcionário americano do Serviço de Negócios Estrangeiros dos EUA comportou-se mais como um mafioso de protecção do que como um diplomata, com as suas ameaças flagrantes e interferência nos assuntos internos do Paquistão.

Segue-se a tradução do despacho do embaixador paquistanês de Washington:

Perguntei a Don se a razão para esta forte reação dos EUA era a abstenção do Paquistão na votação da Assembleia Geral da ONU. Ele negou categoricamente e disse que se devia à visita do primeiro-ministro a Moscovo. Penso que se a moção de desconfiança contra o primeiro-ministro (que os americanos obviamente exigiram) for bem sucedida, tudo será perdoado em Washington porque a visita à Rússia será vista como uma decisão do primeiro-ministro. Caso contrário, penso que será difícil seguir em frente". Don fez uma pausa e depois disse: "Não posso dizer como isto será visto pela Europa, mas suspeito que a reação deles será semelhante". Depois disse: "Francamente, acho que o isolamento do primeiro-ministro em relação à Europa e aos Estados Unidos vai tornar-se muito forte". Don comentou ainda: "Parece que a visita do primeiro-ministro a Moscovo foi planeada durante os Jogos Olímpicos de Pequim e que houve uma tentativa do primeiro-ministro de se encontrar com Putin que não foi bem sucedida e depois surgiu a ideia de ele ir a Moscovo".

Disse ao Don que se tratava de uma informação e de uma perceção completamente erradas. A visita a Moscovo estava a ser preparada há pelo menos dois anos e era o resultado de um processo institucional consultivo. Sublinhei que, quando o primeiro-ministro se deslocou a Moscovo (no dia 23 de fevereiro de 2021), a invasão russa da Ucrânia ainda não tinha começado e ainda havia esperança de uma solução pacífica. Salientei também que, na mesma altura, os líderes dos países europeus também se deslocavam a Moscovo. O Don referiu que "estas visitas eram especificamente para procurar uma solução para o conflito na Ucrânia, enquanto a visita do primeiro-ministro era por razões económicas bilaterais". Chamei a sua atenção para o facto de o primeiro-ministro ter lamentado claramente a situação durante a sua estadia em Moscovo e ter esperado que a diplomacia funcionasse. A visita do primeiro-ministro, sublinhei, foi exclusivamente num contexto bilateral e não deve ser entendida como uma compreensão ou um apoio às acções da Rússia contra a Ucrânia. Afirmei que a nossa posição é determinada pelo nosso desejo de manter os canais de comunicação abertos com todas as partes. As nossas declarações subsequentes às Nações Unidas e pelo nosso porta-voz deixaram isso claro, ao mesmo tempo que reafirmámos o nosso compromisso com o princípio da Carta das Nações Unidas, a não utilização ou ameaça de utilização da força, a soberania e integridade territorial dos Estados e a resolução pacífica de litígios.

Também disse ao Don que o Paquistão estava preocupado com a forma como a crise da Ucrânia se iria desenvolver no contexto do Afeganistão. Pagámos um preço muito elevado devido às implicações a longo prazo deste conflito. A nossa prioridade era a paz e a estabilidade no Afeganistão, para as quais era essencial trabalhar e coordenarmo-nos com todas as grandes potências, incluindo a Rússia. Nesta perspectiva, era também importante manter os canais de comunicação abertos. Este factor também determinou a nossa posição sobre a crise na Ucrânia. Em resposta à minha referência à próxima reunião da troika alargada em Pequim, Don disse que ainda estavam a decorrer discussões em Washington sobre se os EUA deveriam participar na reunião da troika alargada ou na próxima reunião em Antalya sobre o Afeganistão com representantes russos, uma vez que a atenção dos EUA estava actualmente centrada em discutir apenas a Ucrânia com a Rússia. Respondi que era exactamente isso que temíamos. Não queríamos que a crise da Ucrânia desviasse a atenção do Afeganistão. Don não disse nada sobre o assunto.

Disse-lhe que, tal como ele, também eu seria aberto em relação aos nossos pontos de vista. Disse-lhe que, ao longo do último ano, tínhamos sentido repetidamente a relutância da liderança dos EUA em dialogar com a nossa liderança. Esta relutância tinha criado no Paquistão a impressão de que estávamos a ser ignorados e até de que a nossa lealdade estava a ser dada como certa. Havia também a sensação de que, embora os EUA esperassem o apoio do Paquistão em todas as questões importantes para os EUA, este não era recíproco e não víamos muito apoio dos EUA nas questões que afectavam o Paquistão, especialmente em Caxemira. Afirmei que era extremamente importante dispor de canais de comunicação funcionais ao mais alto nível para eliminar essa percepção. Afirmei também que, se a nossa posição sobre a crise na Ucrânia era tão importante para eles, ficámos surpreendidos por os EUA não terem dialogado connosco ao mais alto nível antes da visita a Moscovo e mesmo aquando da votação prevista na ONU.

O Paquistão valorizava um envolvimento sustentado ao mais alto nível e foi por essa razão que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros solicitou uma chamada com o secretário (dos EUA) Blinken para explicar pessoalmente a posição e a perspectiva do Paquistão sobre a crise na Ucrânia. O telefonema ainda não se concretizou. Don respondeu que Washington considerava que este não era o momento certo para um compromisso deste tipo, dada a actual agitação política no Paquistão, e que poderia esperar até que a situação política no Paquistão acalmasse.

Voltei a afirmar a nossa posição de que os países não devem ser forçados a escolher lados numa situação complexa como a crise da Ucrânia e sublinhei a necessidade de uma comunicação ativa e bilateral ao nível da liderança política. Don respondeu: "Transmitiu claramente a sua posição e eu transmiti-la-ei aos meus dirigentes".

Também disse ao Don que tínhamos visto a sua defesa da posição da Índia sobre a crise da Ucrânia durante a recente audiência da subcomissão do Senado sobre as relações entre os EUA e a Índia. Parecia que o governo dos EUA estava a aplicar dois pesos e duas medidas em relação à Índia e ao Paquistão. Don respondeu que os fortes sentimentos dos legisladores norte-americanos relativamente às abstenções da Índia no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral surgiram claramente durante a audição. Eu disse que era claro na audiência que, por um lado, os EUA esperavam mais da Índia do que do Paquistão, mas, por outro lado, pareciam mais preocupados com a posição do Paquistão. Don foi evasivo e respondeu que Washington vê as relações EUA-Índia muito através da lente do que está a acontecer na China. Acrescentou que, embora a Índia tenha uma relação estreita com Moscovo, "penso que veremos uma mudança na política da Índia quando todos os estudantes indianos que ainda se encontram na Ucrânia tiverem deixado o país".

Espero que a questão da visita do primeiro-ministro à Rússia não afecte as nossas relações bilaterais. Don respondeu: "Eu diria que, do nosso ponto de vista, já afectou as relações. Vamos esperar alguns dias para ver se a situação política muda, o que significaria que não teríamos um grande desacordo sobre esta questão e que a mossa desapareceria muito rapidamente. Caso contrário, temos de encarar o problema de frente e decidir como lidar com ele".

Falámos também sobre o Afeganistão e outras questões relacionadas com as relações bilaterais. Segue-se uma nota separada sobre esta parte da nossa conversa.

(O que se segue é a avaliação pessoal do embaixador do Paquistão em Washington sobre a conversa).

Apreciação:

O Don não poderia ter transmitido uma diligência tão forte sem a aprovação explícita da Casa Branca, à qual se referiu repetidamente. Don fez comentários manifestamente inapropriados sobre os assuntos políticos internos do Paquistão. Temos de refletir seriamente e considerar a possibilidade de fazer uma diligência adequada junto da Embaixada dos EUA em Islamabad.

(fim do despacho)

Como Imran Khan não desistiu após a queda e se retirou da política, mas continuou a lutar contra o estado profundo no Paquistão e seus clientes em Washington, ele foi condenado à prisão domiciliar por um tribunal adquirido por crimes fabricados na fase II de sua suspensão. condenado. E como nem isso conseguiu quebrar a sua vontade de resistir, foi recentemente condenado novamente na Fase III, a três anos de prisão por alegadamente ter cometido mais crimes. As condições nas prisões paquistanesas são terríveis e ninguém tem a certeza da sua vida lá. Uma disputa de prisioneiros na Fase IV poderia resolver elegantemente o problema de Washington com Imran Khan de uma vez por todas.

Por último, um lembrete:

O chamado "crime" de Imran Khan que provocou a ira do regime americano foi o facto de ele querer ser amigo dos Estados Unidos, da China e da Rússia. A sua mensagem era: queremos ter boas relações com todos eles. Mas isso era intolerável para a camarilha no poder em Washington. Ter boas relações com os adversários dos EUA já é impossível. Porque se não estão contra os nossos inimigos, então estão contra nós.

Recorde-se a passagem da conversa em que o embaixador paquistanês argumenta: "Só porque o Paquistão negoceia com outros países não significa que estejamos do lado dos inimigos dos EUA!" Mas não conseguiu mudar a opinião do seu interlocutor sénior, Don, do Departamento de Estado dos EUA. Relações normais com outros países sem a aprovação dos EUA são obviamente uma violação da ordem baseada em regras de Washington. "Nesse caso, não podes ser nosso amigo", foi a resposta de Don.

O crime de Khan foi não ter aderido às sanções impostas pelos EUA à Rússia e não ter cortado relações com Moscovo. Khan fê-lo para evitar danos graves ao povo paquistanês, que precisa do petróleo russo barato e de outras matérias-primas.

Nenhum dirigente de um Estado verdadeiramente soberano teria um comportamento diferente do de Imran Khan. As elites corruptas dos estados vassalos dos EUA, como por exemplo a Alemanha, já estão a vender o sustento do povo em obediência antecipada a um sorriso gracioso de Washington. No entanto, sabem que também elas são ameaçadas com uma mudança de regime se desafiarem. É assim que funciona a "ordem internacional baseada em regras" ditada pelos EUA. Não admira que tenha havido tanta pressa em juntar-se aos BRICS na África do Sul, na semana passada.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Os BRICS mudam o mundo

Os velhos amigos estão a abandonar o Ocidente. Nunca foram verdadeiramente amigos. No passado, não tinham outra opção senão serem amigos dos EUA e do Ocidente político. Agora, isso está a mudar


Os resultados da cimeira dos BRICS em Joanesburgo são de grande alcance. Contrariaram, em quase todos os domínios, as especulações dos meios de comunicação ocidentais durante a preparação da reunião. A morte de Prigozhin ofereceu-lhes uma oportunidade bem-vinda para ultrapassarem esses erros de avaliação. No entanto, a longo prazo, o pensamento positivo e a ignorância da realidade não ajudarão nos confrontos com o Ocidente político.

Diferente do que se pensava

A acumulação de erros de avaliação dos dirigentes ocidentais não pode ser ignorada. Cada vez com mais frequência, a realidade produz resultados diferentes dos que os profetas dos media e da política teriam esperado. Os serviços secretos ocidentais ficaram tão surpreendidos com a queda do Muro de Berlim como com a rápida queda de Cabul. A guerra contra o terrorismo não produziu os resultados esperados, nem a guerra provocada na Ucrânia. Não é a economia russa que se está a desmoronar sob as sanções, mas sim a economia ocidental que está a enfraquecer. Não é a Rússia que está isolada, mas sim cada vez mais velhos amigos que estão a abandonar o Ocidente.
Tudo acabou por ser diferente do que os peritos tinham calculado cientificamente e os serviços de informação tinham analisado. Tudo se passou de forma diferente do que os media e os políticos tinham prometido aos cidadãos do Ocidente. O mundo deveria ter sido sempre um lugar melhor, de acordo com as profecias optimistas de todos os que estavam firmemente convencidos e de acordo com as teorias científicas de todos os que estavam profissionalmente confiantes. E o que é que parece hoje, depois de todas estas viagens de fantasmas políticos?
As próximas viagens arriscadas ao desconhecido já estão marcadas: A guerra com a Rússia continua em pleno andamento, enquanto a próxima corrida ao armamento já está a ser apresentada ao público ocidental como inevitável — desta vez contra a China. A próxima tempestade parece estar a formar-se no Sahel. Ali, estão a formar-se alianças que podem expandir-se dos conflitos nacionais para os regionais. Em todo o lado, o Ocidente político tem um dedo na torta como acelerador, não como pacificador.
Cegos e opinativos, os líderes ocidentais revelam a sua incapacidade para aceitar as mudanças no mundo. Ao longo de décadas, habituaram-se a que o resto do mundo dançasse ao seu ritmo. Tinham o capital, a vantagem tecnológica e o poder económico e militar para promover os seus próprios interesses. Acreditava-se que assim seria para sempre. Mas esses tempos acabaram. O Ocidente político não tem capacidade para se adaptar à nova realidade.
Em nenhum outro lugar isso foi mais evidente do que na avaliação das hipóteses de sucesso da Ucrânia na guerra atual e na alteração do equilíbrio de poder entre a Rússia e a NATO. Outro exemplo da cegueira ocidental é a cobertura da cimeira dos BRICS em Joanesburgo.
A comunidade em Joanesburgo. Nenhuma das previsões feitas pelos meios de comunicação ocidentais no período que antecedeu a cimeira correspondeu aos resultados no final da cimeira.

Diferente da realidade

Com o fortalecimento económico da China e, sobretudo, com o fortalecimento militar da Rússia, a visão do Ocidente político sobre os países BRICS mudou. Ambos são vistos como o núcleo de uma nova formação de blocos dirigida contra ele, em torno da qual se agrupam cada vez mais Estados. Esta visão é evidente nas declarações feitas por políticos do campo da NATO e determina a informação dos seus meios de comunicação social sobre os BRICS em geral e a Cimeira de Joanesburgo em particular.
"Quem não está a nosso favor está automaticamente contra nós" é a atitude infantil por detrás deste pensamento do bloco ocidental. Todas as declarações contrárias dos representantes dos países BRICS são reflexo desta visão. Uma vez que a Rússia e a China perseguem os seus próprios interesses e não se submetem às directrizes ocidentais, as suas políticas não podem deixar de ser anti-ocidentais - de acordo com o pensamento dos teóricos do bloco.
O facto de ser o próprio Ocidente a alinhar-se cada vez mais contra a China e a Rússia é ignorado. Pelo contrário, vê-se forçado a esta política porque os dois não cumprem as regras da chamada ordem baseada em regras. O Ocidente político acredita que pode impô-las a todo o mundo sem ter de as pedir a ninguém. A Rússia e a China só se tornam a anti-pólo em resultado da sua exclusão pelo Ocidente.
Podem deixar claro, quantas vezes quiserem, que não são anti-ocidentais, que até querem cooperar, mas apenas se tiverem em conta os seus próprios interesses. Isto não entra no espírito dos líderes de opinião ocidentais. Ultrapassa os seus horizontes, não pode ser apreendido com os seus padrões de pensamento simples. Em quase todos os artigos do Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) sobre a conferência na África do Sul, esta visão de um bloco anti-ocidental é defendida e assim consolidada. Neste aspeto, não é o único entre os media ocidentais.
Por outro lado, no entanto, a reportagem procura repetidamente indícios de diferenças entre os participantes. Parece que a imprensa ocidental quer refutar a unidade do próprio bloco, que, na sua orientação anti-ocidental, na verdade só existe porque foi reunido nas suas mentes.
Neste sentido, é também evocado um ponto de rutura predeterminado entre a Rússia e a China, por um lado, e os restantes três, por outro, porque "três dos cinco Estados BRICS não partilham o furor antiocidental de Xi"(1). Como prova suplementar da fragilidade da associação de Estados, pensa-se poder afirmar: "Mas, para além de Pequim e Moscovo, nenhum Estado dos BRICS quer renunciar às boas relações com os Estados Unidos e a União Europeia" (2). Trata-se de uma tentativa de refutar uma realidade cuja ilusão foi criada pelo próprio?
Mesmo as trivialidades do protocolo são interpretadas como indícios de grandes desacordos entre os participantes. Por exemplo, é visto como um indício de tensões entre a China e a Índia quando o presidente indiano não quer sair ainda do seu avião porque quer ser recebido por um alto membro do governo sul-africano, tal como o presidente chinês. Fica-se com a impressão de que os fazedores de opinião ocidentais querem utilizar todos os meios para provocar o fracasso da cimeira, tal como há cerca de um ano e meio acreditam que podem derrotar o exército russo com a areia que atiram aos olhos dos consumidores dos meios de comunicação ocidentais.

No final, o resultado acabou por ser diferente

Mas toda a conversa de mesa de café e as especulações dos formadores de opinião ocidentais acabaram por se revelar invenções das suas próprias mentes confusas e uma visão do mundo que não corresponde ao mundo. Os desacordos conjurados entre a China e a Índia não foram a causa do fracasso da cimeira. Aparentemente, muitos no Ocidente político esperavam que não houvesse admissão de mais Estados e que se pudesse evitar um novo aumento do poder da associação de estados.
Em teoria, não deveria ter havido qualquer alargamento da associação de estados porque, de acordo com os especialistas ocidentais em leitura de café, a Índia, ao contrário da China, não queria um processo de adesão rápido. Foi considerado "questionável se a expansão dos BRICS por mais estados membros, que Xi tem vindo a promover há vários anos, será bem sucedida no seu sentido na cimeira em Joanesburgo, [e] os analistas na África do Sul também consideram provável um processo de admissão lento"(3).
É evidente, portanto, que o alargamento não pode ser feito se não houver acordo entre os peritos. A única questão é saber em que se baseiam estas avaliações. Para os peritos ocidentais, a questão era clara e simples: "[O presidente indiano] Modi está a aproximar-se cada vez mais dos Estados Unidos e dificilmente seguiria Xi Jinping, quanto mais não seja devido ao seu próprio conflito fronteiriço com a China" (4).
Para os observadores do Ocidente, o mundo político parece consistir apenas em rivalidades mesquinhas e disputas pessoais. No pensamento ocidental, parece já não existir a possibilidade de se chegar a um acordo amigável sobre questões polémicas. Aqueles que estão habituados a resolver tudo com pressões, violência e desonestidade já não pensam em soluções razoáveis no interesse de todos os envolvidos e no respeito por todos os interesses.
Apesar de todas as previsões desfavoráveis dos rumores do mundo ocidental, os países BRICS conseguiram chegar a um acordo unânime sobre a admissão de novos membros. Conseguiram-no em poucos dias, num fim de semana prolongado, por assim dizer. Isso é possível quando a razão impera. Mesmo os desacordos entre a China e a Índia, em que, afinal, se trata de uma questão de guerra ou de paz ao longo da fronteira comum e não de uma fatura energética de um edifício mal construído, poderiam ser postos em segundo plano nesta questão.
Em vez da grande rutura entre a Índia e a China, registou-se uma nova aproximação. Também isso é possível quando as regras da razão e os interesses mútuos são respeitados. Foi alcançado um acordo sobre "uma nova redução das tensões"(5). 
Ambas as partes concordaram em "intensificar os esforços com vista a uma rápida retirada das tropas e ao desanuviamento"(6).
Nada disto estava previsto nas opiniões e expectativas dos líderes de opinião ocidentais. Mas Joanesburgo mostra que tais êxitos são possíveis se houver boa vontade de todas as partes.

Está a nascer um mundo diferente

O mundo em que o Ocidente acredita viver é diferente daquele que gira à volta do sol todos os dias. Não se pode fazer nada porque não se sabe o que fazer perante esta mudança. Continuam a tentar os velhos meios de ameaças militares contra os adversários mais fracos e os novos meios de sanções económicas contra os mais fortes. No passado, isso teve pouco sucesso, medido pelos danos causados. Mas os novos adversários são mais fortes. A força militar da Rússia não tem rival no Ocidente político.
O poder económico e, sobretudo, financeiro da China torna possível a sua penetração em todos os continentes e um desenvolvimento social que o Ocidente não conseguiu alcançar em todas as décadas desde a Segunda Guerra Mundial. O Ocidente perdeu o seu papel de líder incontestado. Os países até agora subdesenvolvidos já não dependem dele, para o bem e para o mal. Com a Rússia e a China, surgiram alternativas.
Com a Rússia e a China, surgiram alternativas que possuem o capital necessário e também qualidades tecnológicas que já não são inferiores às do Ocidente político. Os velhos amigos estão a abandonar o Ocidente. Nunca foram verdadeiramente amigos. No passado, não tinham outra opção senão serem amigos dos EUA e do Ocidente político. Agora, isso está a mudar.

Fontes:
(1) FAZ 23.08.2023 Contrapeso ao Ocidente
(2) ibid.
(3) ibid.
(4) ibid.
(5) FAZ 26.08.2023 Esforços para aliviar as tensões em torno da fronteira dos Himalaias

terça-feira, 8 de agosto de 2023

ANÁLISE FEITA PELO HISTORIADOR, JONATHAN LLEWELLYN , SOBRE A REALIDADE ULTRAMARINA NO PERÍODO DE 1961 - 1974

"Espero que perdoem a um estrangeiro intrometer-se neste assunto, mas é preciso que alguém diga certas verdades.

A insurgência nos territórios ultramarinos portugueses não tinha nada a ver com movimentos nacionalistas.
Primeiro, porque não havia (como ainda não há) uma nação angolana, uma nação moçambicana ou uma nação guineense, mas sim diversos povos dentro do mesmo território.
E depois, porque os movimentos de guerrilha foram criados e financiados por outros países.

ANGOLA – A UPA, e depois a FNLA, de Holden Roberto foram criadas pelos americanos e financiadas (directamente) pela bem conhecida Fundação Ford e (indirectamente) pela CIA.
O MPLA era um movimento de inspiração soviética, sem implantação tribal, e financiado pela URSS.
Agostinho Neto, que começou a ser trabalhado pelos americanos. só depois se virando para a URSS, tinha tais problemas de alcoolismo que já não era de confiança e acabou por morrer num pós-operatório. Foi substituído pelo José Eduardo dos Santos, treinado, financiado e educado pelos soviéticos.
A UNITA começou por ser financiada pela China, mas, como estava mais interessada em lutar contra o MPLA e a FNLA, acabou por ser tolerada e financiada pela África do Sul. Jonas
Savimbi era um pragmático que chegou até a um acordo com os portugueses.

MOÇAMBIQUE - A Frelimo foi criada por conta da CIA.
O controleiro do Eduardo Mondlane era a própria mulher, Janet, uma americana branca que casou com ele por determinação superior. Mondlane foi assassinado por não dar garantias de fiabilidade, e substituído pelo Samora Machel, que concordou em seguir uma linha marxista semelhante à da vizinha Tanzânia. Quando Portugal abandonou Moçambique, a Frelimo estava em ta estado que só conseguiu aguentar-se com conselheiros do bloco de leste e tropas tanzanianas.

GUINÉ – O PAIGC formou-se à volta do Amílcar Cabral, um engenheiro agrónomo vagamente comunista que teve logo o apoio do bloco soviético. Era um movimento tão artificial que dependia de quadros maioritariamente cabo-verdianos para se aguentar (e em Cabo Verde não houve guerrilha).
Expandiu-se sobretudo devido ao apoio da vizinha Guiné-Konakry e do seu ditador Sékou Touré, cujo sonho era eventualmente absorver a Guiné portuguesa.

Em resumo, territórios portugueses foram atacados por forças de guerrilha treinadas, financiadas e armadas por países estrangeiros. 
Segundo o Direito Internacional, Portugal estava a conduzir uma guerra legítima. 
E ter combatido em três frentes simultâneas durante 13 anos, estando próximo da vitória em Angola e Moçambique e com a situação controlada na Guiné, é um feito que, militarmente falando, é único na História.

domingo, 6 de agosto de 2023

A Cimeira Rússia-África derrota o projeto de «isolamento da Rússia» do Ocidente

 Salman Rafi Sheikh

Reforçando a ênfase mútua numa ordem mundial mais justa e multipolar, o presidente russo Putin afirmou que a África é o "novo centro de poder. O seu papel político e económico está a crescer exponencialmente


Em 2019, muito antes do início da operação militar da Rússia na Ucrânia, a cimeira Rússia-África realizada em Sochi atraiu 43 países no total. O objetivo da cimeira era o "desenvolvimento e consolidação de laços mutuamente benéficos" entre a Rússia e o continente africano. Quatro anos mais tarde, a cimeira de 2023, realizada em São Petersburgo, atraiu um total de 49 países, tendo a cimeira terminado com uma declaração conjunta de 74 pontos que prometia a cooperação num grande número de áreas críticas. Como é evidente, o atual conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia (NATO) — e as persistentes tentativas do Ocidente de "isolar" a Rússia — não conseguiram tornar a Rússia pouco atraente para o continente africano. De facto, a presença de 49 países mostra uma expansão razoável da influência russa em África, derrotando a agenda EUA-Europa de impor "isolamento" à Rússia. Em segundo lugar, como mostra a declaração, a África está muito aberta à ideia de desenvolver um mundo multipolar. Na medida em que o Ocidente, liderado pelos EUA, tem vindo a insistir agressivamente numa inversão da ordem mundial unipolar da era pós-Guerra Fria, a declaração conjunta derrota-a com toda a justiça.

Para citar a declaração, a Rússia e os 49 estados africanos concordaram em "reforçar a cooperação igualitária e mutuamente benéfica entre a Federação Russa e os estados africanos, a fim de contribuir para o estabelecimento de uma ordem mundial multipolar mais justa, equilibrada e estável, opondo-se firmemente a todos os tipos de confrontação internacional no continente africano". Visando o unilateralismo, um método caraterístico dos EUA para conduzir a geopolítica, a declaração também promete que a Rússia e os estados africanos "trabalharão em conjunto para contrariar a utilização de ferramentas e métodos unilaterais ilegítimos, incluindo a aplicação de medidas coercivas que contornam o Conselho das Nações Unidas e a sua aplicação extraterritorial, bem como a imposição de abordagens que prejudicam principalmente os mais vulneráveis e minam a segurança alimentar e energética internacional". Reforçando a ênfase mútua numa ordem mundial mais justa e multipolar, o presidente russo Putin afirmou que a África é o "novo centro de poder. O seu papel político e económico está a crescer exponencialmente. ... Todos terão de ter em conta esta realidade".

O desenvolvimento deste mundo multipolar ao lado da Rússia — e dos aliados chineses e outros de Moscovo — faz sentido para os países africanos. Com efeito, a maior parte do investimento russo em África é feito sem as condições e os condicionalismos que, por exemplo, estão normalmente associados ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial. Embora a Rússia esteja interessada em aumentar a sua presença económica na Rússia, esta última está também muito interessada em desenvolver laços com África de forma a alargar os interesses geopolíticos de Moscovo. Neste contexto, a ênfase conjunta no desenvolvimento de um mundo multipolar sublinha mais a geopolítica do que a geoeconomia.

No entanto, isto não significa que os laços económicos não estejam a desenvolver-se. Por exemplo, entre 2005 e 2015, os laços comerciais Rússia-África registaram um crescimento exponencial de 185%. Neste contexto, as cimeiras de 2019 e 2023 fazem parte de um padrão claro de desenvolvimento multilateral que a última declaração conjunta também apoia plenamente. Este facto foi ainda reforçado pelo anúncio da Rússia de fornecer cereais gratuitos a pelo menos 6 nações africanas, a par de muitas outras iniciativas de desenvolvimento em domínios tão diversos como a energia, a energia nuclear para ajudar os países africanos a compensar a escassez de eletricidade nos seus países, os laços militares e outras áreas de desenvolvimento.

Ora, a escala desta cimeira, bem como a forma como esta escala reforça os padrões em curso, está no centro de um retrato extremamente negativo da cimeira nos principais meios de comunicação social ocidentais. Isto é exclusivamente evidente na atenção que estes dão à presença de apenas 17 chefes de Estado, por oposição à presença de 49 países e ao seu apoio conjunto à declaração.

Mas a razão crucial pela qual o Ocidente se opõe — e até prejudica, exercendo pressão sobre os estados africanos — à cimeira deve-se, singularmente, ao facto de 49 estados africanos fazerem parte de uma política que desafia diretamente o Ocidente. Por exemplo, o ponto 20 da declaração afirma que todos eles "acreditam firmemente que o princípio da igualdade soberana dos estados é crucial para a estabilidade das relações internacionais". Ora, este ponto visa o domínio neo-imperial do Ocidente reforçado pelo FMI e pelo Banco Mundial — instituições que, através das suas amarras, transformam estados soberanos em meros Estados satélites do grande Ocidente. Uma aliança com a Rússia, pelo contrário, promete um sistema que não vem com condicionalidades nem mina a soberania do Estado.Na mesma linha, o artigo 22 da declaração conjunta afirma que os actores "aderirão ao princípio da não ingerência nos assuntos internos dos estados e opor-se-ão à aplicação extraterritorial pelos estados das suas leis nacionais em violação do direito internacional". Mais uma vez, este artigo visa as constantes intervenções ocidentais nestes países, bem como noutras partes do mundo fora de África, para manipular a política interna sob a forma de políticas de "mudança de regime" dirigidas a líderes anti-Ocidente.

Embora os principais meios de comunicação social ocidentais tenham mencionado a chamada "crítica de África" — que foi basicamente um apelo de alguns líderes africanos para acabar com a "guerra" — da "guerra na Ucrânia", o artigo 23.º da declaração conjunta aponta para o imperativo de resolver todos os litígios internacionais através do "diálogo, negociações, consultas, mediação e bons ofícios .... [e resolvê-los com base no respeito mútuo, no compromisso e no equilíbrio de interesses legítimos". Ora, a única coisa que desencadeou o conflito militar na Ucrânia foi a agenda dos EUA de expandir a NATO para cercar a Rússia e a única coisa que tem impedido este conflito de encontrar uma resolução justa que aborde as legítimas questões de segurança da Rússia é o constante fornecimento de armas pelo Ocidente à Ucrânia, sendo que o único objetivo por detrás do prolongamento deste conflito é enfraquecer a Rússia e, assim, reforçar a velha ordem mundial.

Nessa medida, a Cimeira Rússia-África é um grande sucesso para a Rússia, embora seja difícil para o Ocidente "ver" esse sucesso face aos seus próprios preconceitos, à propaganda dos meios de comunicação social e à sua política institucionalizada de minar tudo e todos que desafiem a sua hegemonia e os seus interesses.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Porque é que o globalismo falhou

O que é que correu mal para os globalistas? Não há muito tempo, o Ocidente foi cativado por visões do "Fim da História". Francis Fukuyama, Thomas Friedman, Kenichi Ohmae e outros previam o triunfo permanente de uma ordem neoliberal global. Previam a emergência de um sistema controlado por um exército cada vez maior de tecnocratas e profissionais, concentrado num punhado de grandes cidades cosmopolitas, apoiado em indústrias e serviços "avançados". Esse mundo foi virado do avesso. O mundo atual — dividido pela geopolítica — parece mais próximo do concebido por Samuel Huntington no seu ensaio de 1993, O choque de civilizações. As nações, ao que parece, não partilham a mesma visão do mundo, escreve Joel Kotkin, o presidente da Universidade Chapman e director executivo do Urban Reform Institute.

São países como a China, e não os avatares do liberalismo, que estão agora claramente a ascender. Nos últimos 20 anos, a parte da economia mundial controlada pelo G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e EUA) diminuiu de 65 para 44%. Actualmente, a China produz quase tantos bens manufacturados como os EUA, o Japão e a Alemanha juntos. Esta é uma das razões pelas quais existem actualmente mais bilionários em Pequim do que em Nova Iorque.
No meio de uma economia global geralmente fraca, o crescimento mais rápido ocorre agora na Índia, bem como na Arábia Saudita, rica em recursos, e em partes de África. Em termos de poder de compra, a riqueza combinada dos países BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, dominados pelo Sul Global, ultrapassa a do G7.
As novas realidades estão também a alterar a geografia da riqueza e do poder nos países de rendimento elevado. Ainda não há muito tempo se sugeria seriamente que os "presidentes de câmara" deveriam "governar o mundo", uma vez que o crescimento económico estava destinado a concentrar-se num punhado de cidades super-estrelas. Atualmente, até o New York Times adverte sombriamente para um "ciclo de destruição urbana", referindo que as grandes cidades americanas perderão dois milhões de pessoas entre 2020 e 2022. O mundo que está a nascer não será o brinquedo exclusivo das elites de Londres, Nova Iorque ou Berlim. Em vez disso, terão de competir com locais como Dallas, Phoenix e os subúrbios de Houston, bem como com centros orientais como Pequim, Nova Deli e Mumbai.
Os globalistas, outrora confiantes, não prestaram atenção a três questões críticas: a importância contínua do domínio material, o papel crucial da mudança demográfica e, por último, a importância da cultura.

A guerra na Ucrânia mostra como a economia material ainda é importante. Intensificou a luta global por alimentos, energia e minerais essenciais. E alargou as divisões em todo o mundo - incluindo no seio do Ocidente. É revelador o facto de muito poucos países não ocidentais terem imposto sanções à Rússia, em grande parte devido ao seu interesse nos seus vastos recursos naturais. A Índia, a maior parte da América Latina e a África estão actualmente a comprar matérias-primas russas a preços reduzidos.
Enquanto o Ocidente demoniza o carvão, o petróleo e o gás devido aos seus impactos ambientais, a maioria dos países em desenvolvimento quer fazer crescer as suas próprias economias, desenvolvendo os combustíveis fósseis e não os importando. Países como a Índia estão a construir centrais de carvão e comprometeram-se a resistir ao que descrevem como o "imperialismo do carbono" do Ocidente.
O Fórum Económico Mundial, as Nações Unidas, a União Europeia e as organizações sem fins lucrativos, ricamente financiadas, podem sonhar em acabar com os combustíveis fósseis. Mas, devido em grande parte à procura dos países em desenvolvimento, a utilização de combustíveis fósseis continua a crescer, representando uma parte esmagadora de toda a energia utilizada em todo o mundo.
O fanatismo das elites ocidentais pelo clima é agora um problema sério.
Como Robert Bryce demonstrou, em 2021, as organizações sem fins lucrativos verdes receberam mais de quatro vezes mais do que as que defendem a utilização de combustíveis nucleares ou fósseis. As políticas Net Zero que estas organizações promovem tiveram efeitos catastróficos em locais como a Alemanha, cuja base industrial está a ser devastada. Actualmente, há quem pense que até a economia russa está a ter um desempenho superior ao da Alemanha.
O Net Zero e os consequentes preços elevados da energia estão a enfrentar uma forte reacção política. Ajudaram a revitalizar a direita populista da Alemanha e estão a perturbar os partidos do poder em França, nos Países Baixos, na Suécia e em Itália. Estes conflitos políticos internos estão a ser travados entre aqueles que dependem de energia acessível — trabalhadores fabris, agricultores, pessoas envolvidas na logística — e as classes obcecadas pelo clima, concentradas nas redacções, nas universidades e na elite empresarial.
As pessoas continuam a ser o principal recurso e o mundo com rendimentos elevados tem cada vez menos pessoas. Cada vez mais, os países ocidentais carecem de jovens qualificados e enérgicos, que são fundamentais para a inovação. Os países com taxas de natalidade muito baixas registam geralmente um crescimento económico reduzido. É o que demonstra o Japão, cuja população activa tem vindo a diminuir desde a década de 1990 e será um terço mais pequena em 2035.
Uma dinâmica semelhante é evidente em todo o Ocidente. À medida que a base de emprego diminui e as exigências dos idosos aumentam, alguns países como a Alemanha estão a aumentar os impostos sobre a força de trabalho existente para pagar as crescentes fileiras de reformados.
Os países mais bem posicionados actualmente são, em grande parte, aqueles que já foram os mais empobrecidos, nomeadamente a Índia. Actualmente, a Índia é o país mais populoso do mundo e está constantemente classificada como a grande economia com o crescimento mais rápido do mundo. A Índia tem os recursos humanos necessários para preencher as suas fileiras militares e para impulsionar as suas empresas industriais e tecnológicas. A África e partes do Médio Oriente poderão também beneficiar de uma vantagem semelhante, especialmente se conseguirem manter a corrupção a um nível mínimo e resistir ao controlo da China ou do Ocidente.
Prevê-se que o Canadá aumente a sua população imigrante em cerca de 1,5 milhões de pessoas até 2025. Nos Estados Unidos, os residentes nascidos no estrangeiro contribuíram para o rápido crescimento das cidades da Cintura do Sol, como Houston, Dallas e Miami. Estas cidades já receberam mais recém-chegados do que as tradicionais portas de entrada, como Los Angeles, Nova Iorque, Chicago e São Francisco.
Estes centros urbanos caros e altamente regulamentados estão também a perder uma nova base de residentes da geração do milénio. Estes jovens estão a deslocar-se dos centros históricos urbanos de emprego para as zonas do interior, mais habitáveis e acessíveis. O fator-chave neste caso é o aumento do trabalho à distância.
Um estudo da Universidade de Chicago sugere que cerca de 35% dos trabalhadores americanos - e quase metade dos de Silicon Valley — poderiam fazer o seu trabalho fora de um escritório. A maior parte da nova vaga de empresas em fase de arranque adoptou um modelo de trabalho à distância.
Enquanto o Ocidente está a vacilar, os globalistas estão a travar uma guerra cultural nas suas próprias sociedades. Professores universitários, jornalistas de elite e hegemonias empresariais desprezam abertamente tanto as tradições dos seus países como as opiniões da maioria dos seus concidadãos. Os globalistas tendem a ver a cultura ocidental como única cruel, injusta e destrutiva para o ambiente. Este facto tem vindo a corroer valores tradicionais como o patriotismo, especialmente entre os jovens e os mais instruídos. Apenas um terço dos americanos com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos considera que os EUA têm "uma história de que se podem orgulhar".
Não é de surpreender que a fé nas principais instituições globalistas — a burocracia estatal, os meios de comunicação social, o sistema educativo e os gigantes empresariais — tenha diminuído em todo o mundo. Nos Estados Unidos, mais de três quintos do público não confia no governo federal, observa a Gallup.
Esta dinâmica cultural não ameaça apenas a ordem neoliberal — ameaça também o Ocidente a um nível mais fundamental. Uma civilização só pode sobreviver se os seus membros, nomeadamente os mais influentes, acreditarem nos seus valores fundamentais. A Europa está, de facto, mais avançada no caminho da desconstrução cultural do que os Estados Unidos. Afinal de contas, a UE persegue vigorosamente um projeto pós-nacional, que visa uma wokeness pan-europeia.
Ao abraçarem a política de identidade, a Europa e a América do Norte renunciaram aos compromissos liberais de liberdade de expressão e de investigação que impulsionaram a sua ascendência original. A tomada de controlo das universidades e até mesmo das instituições científicas por parte dos lobos significa que muitos investigadores no Ocidente estão agora sobrecarregados por restrições ideológicas, onde são forçados a preocupar-se em cumprir os critérios de "diversidade, equidade e inclusão" (DEI) e a fingir que existem mais do que dois sexos. Esta situação criou um ambiente que está destinado a sufocar a inovação.
As elites globalistas podem estar a destruir o Ocidente, mas estão também a lançar as sementes da sua própria queda.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Pacote de armas dos EUA para Taiwan anuncia uma «Ucrânia Parte 2»

A política externa dos EUA centra-se na busca singular da primazia global, apesar da evidência crescente de que os EUA já não possuem os meios militares ou económicos para o fazer


Os Estados Unidos anunciaram um novo pacote de armas para Taiwan no valor de 345 milhões de dólares. A Reuters, num artigo sobre o pacote, sugere que o objetivo é fornecer a Taiwan "assistência em matéria de segurança".

Na realidade, a transferência de armas dos EUA para Taiwan é uma violação da soberania chinesa ao abrigo do direito internacional, que reconhece Taiwan como uma província insular da China.O Departamento de Estado dos EUA, no seu próprio sítio Web oficial, admite que "os Estados Unidos não têm relações diplomáticas com Taiwan" e que "não apoiamos a independência de Taiwan". No entanto, o apoio continuado aos partidos políticos de Taiwan que pretendem a independência e o envio de armas dos EUA para Taiwan para sustentar essas aspirações constituem uma violação flagrante dos próprios acordos de Washington com Pequim no âmbito da política "Uma só China".

As acções de Washington, que violam tanto o direito internacional como os seus próprios acordos com Pequim, constituem uma clara provocação contra a China e são o principal fator impulsionador da expansão militar chinesa, especialmente no Estreito de Taiwan e nas suas imediações.

Ao violar a soberania da China através do envio de armas para elementos separatistas em Taiwan, os Estados Unidos não estão a garantir a segurança de Taiwan nem a apoiar a estabilidade regional, como Washington afirma frequentemente que a sua presença na região, a milhares de quilómetros das suas próprias costas, se destina a alcançar.

Um fator que compromete ainda mais as pretensões de Washington de garantir a "segurança" de Taiwan através destas transferências de armas é a própria natureza destes pacotes. A Reuters refere que:

«Nas últimas semanas, quatro fontes disseram à Reuters que se esperava que o pacote incluísse quatro drones de reconhecimento MQ-9A desarmados, mas observaram que a sua inclusão poderia ser cancelada à medida que os funcionários trabalham nos pormenores da remoção de algum do equipamento avançado dos drones a que apenas a Força Aérea dos EUA tem acesso.»

Mesmo que os drones de reconhecimento MQ-9A, também conhecidos como Reapers, incluíssem a tecnologia mais avançada utilizada pela Força Aérea dos EUA, a sua utilidade para garantir a "segurança" de Taiwan seria, na melhor das hipóteses, questionável. O facto de os EUA estarem a retirar-lhes as características que maximizam as suas capacidades demonstra ainda mais a falta de sinceridade por detrás das intenções dos EUA de "proteger" Taiwan através de tais carregamentos de armas.

A tecnologia ocidental de drones, incluindo os drones Reaper dos EUA e os drones Bayraktar TB2 da Turquia, provou ser ineficaz em funções de combate contra concorrentes pares ou quase pares, nomeadamente a Rússia, como se viu durante os combates na Ucrânia e na Síria.

No âmbito do conflito em curso na Ucrânia, os aviões de guerra russos Su-27 conseguiram abater um Reaper dos EUA sobre o Mar Negro simplesmente despejando combustível no seu caminho, comprometendo suficientemente as suas hélices e levando à sua destruição final, informou a CNN em março.

De igual modo, os aviões de guerra russos desafiaram os drones Reaper dos EUA que voavam ilegalmente no espaço aéreo sírio. A revista Air & Space Forces num artigo de 27 de julho de 2023 intitulado "Russian Fighter Damages a Second MQ-9 Over Syria. So What Should the US Do Now?", relataria:

«Em 26 de julho, dois caças russos se aproximaram de um MQ-9 e um lançou foguetes, atingindo e danificando a asa esquerda da aeronave em vários lugares, de acordo com autoridades americanas.»

Um incidente semelhante ocorrido alguns dias antes também danificou um MQ-9 Reaper dos EUA.

Embora os comandantes militares dos EUA tenham insistido que iriam continuar a operar os drones no espaço aéreo sírio e "demonstrar alguma vontade e alguma força", não há praticamente nada que os EUA possam fazer para impedir que os aviões de guerra russos perturbem e até mesmo abatam os drones dos EUA, a não ser escoltá-los com aviões de guerra tripulados e disparar contra os aviões russos.

Os drones em si são incrivelmente vulneráveis perante nações pares e quase-pares capazes, como a Rússia, a China e até o Irão, que, em múltiplas ocasiões, já interrompeu e até desviou alguns dos drones mais avançados dos EUA.

O drone de combate Bayraktar TB2, de fabrico turco, partilha muitas semelhanças com os drones fabricados nos EUA. A sua utilização pela Ucrânia foi saudada como uma capacidade de mudança de jogo que dizimaria as forças terrestres russas. Poucos meses depois, praticamente todos os drones TB2 da Ucrânia foram destruídos.

As capacidades de defesa aérea russa, bem como as suas grandes e modernas forças aeroespaciais, eram mais do que suficientes para o tipo de guerra de drones que os Estados Unidos tinham sido pioneiros durante a sua "Guerra ao Terror". O que tinha sido eficaz contra forças irregulares no mundo em desenvolvimento ficou totalmente inadequado e vulnerável quando colocado em campo contra as forças armadas de uma potência industrial desenvolvida.

As defesas aéreas e os aviões de guerra da China estão entre os mais avançados do mundo. Alguns dos seus sistemas mais capazes são, de facto, adquiridos à Rússia, incluindo o comprovado sistema de defesa aérea S-400 e os aviões de guerra Sukhoi Su-35S.

A China é mais do que capaz de perturbar ou mesmo destruir quaisquer drones MQ-9 Reaper que Taiwan possa adquirir como parte deste mais recente pacote de armas dos EUA, o que levanta a questão de saber o que é que os EUA acreditam que vão conseguir ao enviar os drones.

Outros sistemas de armas que os EUA se comprometeram a enviar a Taiwan nos últimos anos incluem o sistema de defesa aérea Patriot, que também foi exposto como vulnerável aos modernos mísseis de cruzeiro, mísseis hipersónicos e drones, tanto no conflito da Arábia Saudita com o Iémen como, mais recentemente, na Ucrânia. Para além das suas deficiências no campo de batalha, os EUA são simplesmente incapazes de fabricar os sistemas de defesa aérea Patriot (lançadores, radares e unidades de comando) e os interceptores que utilizam em número suficiente para manter as operações mesmo num conflito de escala moderada.

A realidade qualitativa e quantitativa por detrás de anos de hardware militar ocidental foi totalmente exposta nos campos de batalha do Iémen, da Síria e da Ucrânia. Washington não só está ansioso por provocar um conflito semelhante com a China, como procura fazê-lo através de um representante igualmente armado com variedades e quantidades insuficientes de armas americanas.

Os EUA procuraram usar a Ucrânia para "estender" a Rússia, como explicou um artigo da RAND Corporation de 2019, literalmente intitulado "Estendendo a Rússia competindo em terreno vantajoso". A ideia era continuar a antagonizar a Rússia, forçando-a a gastar recursos, minando assim a sua estabilidade sociopolítica e económica, da mesma forma que os EUA afirmam ter causado o colapso da União Soviética.

É evidente que os decisores políticos americanos calcularam mal. A determinação da Rússia em impedir a "NATO-ficação" da Ucrânia e a sua capacidade económica e militar para o fazer revelaram-se muito mais formidáveis do que o Ocidente imaginava.

A China, com a sua capacidade militar, económica e industrial muito maior, está seguramente posicionada para contrariar tácticas semelhantes utilizadas pelos EUA e seus aliados no que diz respeito a minar a sua soberania sobre Taiwan e a utilizar a província insular como parte de uma política mais vasta de cerco dos EUA. O facto de Washington continuar a prosseguir a sua atual política de cerco à China, apesar de os meios militares com que o procura fazer já se terem revelado insuficientes contra a Rússia na Ucrânia, indica uma falta de opções e, de certa forma, um desespero crescente em Washington.

A política externa dos EUA centra-se na busca singular da primazia global, apesar da evidência crescente de que os EUA já não possuem os meios militares ou económicos para o fazer. Será que Washington vai continuar a gastar recursos militares, políticos e económicos para obter resultados cada vez menores contra uma Rússia reemergente e uma China em ascensão? Ou será que os EUA vão finalmente abandonar a sua busca cada vez mais irrealista de primazia global e adotar uma política mais racional de trabalhar entre outras nações em vez de tentar impor-se a todas as outras nações? É uma decisão que, se Washington não tomar agora, outros tomarão num futuro próximo.

Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outloo