quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

«Não pode haver tolerância nem diálogo com pessoas que nos dirigem 'slogans' injuriosos»

 «Os manifestantes agitavam bandeiras negras, símbolos da fome, e gritavam "gatuno!", "ladrão!". Mário Soares não ficou parado a ouvi-lo. 

No dia 30 de Novembro de 1983, quando ouviu esses insultos contra a austeridade imposta pelo programa do FMI, o primeiro-ministro e líder do Bloco Central (coligação PS-PSD) visitava Coimbra acompanhado do ministro socialista Almeida Santos. 

Semanas antes, o governo anunciara um imposto extraordinário de 2,6% sobre os rendimentos dos portugueses (em 2013, a sobretaxa será de 3,5%). Soares aproximou-se dos manifestantes comunistas que o perseguiam com as bandeiras pretas e agiu.  

"Passei muito perto deles, aí a uma distância de um metro do local onde se encontravam, a vociferar", contou Soares no segundo livro de entrevistas biográficas à jornalista Maria João Avillez. "Ao lado estava um polícia muito aprumado na sua farda, impassível. Interroguei-o: 'Senhor guarda, o que está aqui a fazer? Não ouve estes insultos? O polícia ficou atrapalhado, mas agarrou no homem cujos insultos eram mais vernáculos e audíveis e prendeu-o."

Na sequência da ordem do primeiro-ministro, três homens e uma mulher foram detidos e presentes a tribunal. (...) 

Segundo Mário Soares, as bandeiras negras da fome eram uma construção do PCP.  

"Havia uma equipa de cerca de 200 manifestantes - sempre os mesmos - que andava de um lado para o outro, com bandeiras pretas, para me consultar e insultar. Eram profissionais." 

No tribunal de Coimbra, o juiz Herculano Namora absolveu os manifestantes. Para os julgar, segundo o Código Penal, era preciso uma queixa (inexistente) do ofendido. Indignado, o primeiro-ministro reagiu assim à decisão judicial, de acordo com o Correio da Manhã da época:  

"Se o juiz entendeu que não foi um crime público, o problema é dele. Ficamos a saber que esse juiz não se importa que lhe chamem gatuno."

Revoltado com o comentário do chefe do governo sobre a sua decisão judicial, o juiz apresentou queixa no Conselho Superior da Magistratura: 

"Parece-me que o dr. Mário Soares se precipitou ao comentar a decisão de um órgão de soberania, pondo em causa a independência dos tribunais e da própria magistratura."

Mário Soares não hesitou: se a lei não servia, mudava-se a lei. Na semana seguinte, o Conselho de Ministros alterava o Código Penal, explicando em comunicado que se tornavam públicos, sem depender de queixa, "crimes de difamação, injúria e outras ofensas contra órgãos de soberania e respectivos membros." Se repetissem a graça, aqueles comunistas não seriam absolvidos.

Há uma semana, quase 30 anos depois de liderar o governo de maior austeridade antes do de Pedro Passos Coelho, Mário Soares escreveu no Diário de Notícias


Soares também encabeçou uma carta aberta de 70 personalidades a pedir para Passos Coelho se demitir.

Mas quando liderou o Bloco Central coligado com Carlos da Mota Pinto, do PSD, o primeiro-ministro socialista também correu riscos e não era uma figura que agisse de acordo com as regras de comunicação política hoje consideradas normais.

No dia 1 de Novembro de 1983, à porta da fábrica da Renault, em Setúbal, cercada por trabalhadores, Soares gritou-lhes: 

"Diálogo convosco, só com a polícia!" 

Segundo a agência noticiosa Anop, o primeiro-ministro justificou-se assim:  

"Não pode haver tolerância nem diálogo com pessoas que nos dirigem slogans injuriosos." São Bento emitiria um comunicado a dizer que "o díálogo tem regras e perante as injúrias a resposta só pode vir das autoridades policiais".»

Excertos de um extenso artigo de Sara Capelo e Vítor Matos, intitulado "As cargas policiais de Soares", publicado hoje na revista Sábado.
por Pedro Correia in Forte Apache

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Escutas - E a impunidade da Justiça, quando é que acaba?

As investigações ao caso Monte Branco levaram o Ministério Público a proceder a escutas ao presidente do BESI, José Maria Ricciardi, para recolha de informação, seja lá o que isso for, e acabaram por apanhar Pedro Passos Coelho. Tudo, claro, acabou em mais violações do segredo de justiça. A justiça continua, portanto, igual a si própria, sem controlo, a promover julgamentos fora dos tribunais. A suspeita instalou-se, o julgamento público está em curso.

O caso Monte Branco tem tudo, tem poder, tem dinheiro, tem política, tem relações perigosas e até família e tradição. Mas, tendo tudo isto, sabe-se muito pouco, ou quase nada. O DCIAP não explicou ainda nada ou quase nada do que está em causa, apesar do impacto mediático de um caso que revelou uma rede internacional de lavagem de dinheiro e de fuga fiscal que passou por Lisboa e já levou a detenções. Mas Cândida Almeida já revelou que esta investigação permitiu abrir outra, aos assessores financeiros das privatizações da EDP e da REN.

Se há motivos para investigação, exige-se que o Ministério Público o faça, em nome de todos, em nome do Estado. Se há indícios, que sejam clarificados. Mas a verdade é que o problema não são os muitos processos desencadeados pelo MP, são, ao contrário, os muito casos que acabam no esquecimento, na ausência de prova, até, como aconteceu no caso Freeport, no próprio MP a pedir a absolvição de quem tinha acusado. E, claro, no julgamento público, mais doloroso do que próprio julgamento em tribunal, porque os visados não têm protecção, não têm direitos, ficam à mercê de quem julga, recorrendo à figura da fonte anónima da justiça, uma espécie de juiz do tribunal da comunicação social.

A forma como este processo está a ser conduzido suscita suspeitas, desde logo sobre os próprios processos de privatização da EDP e da REN, e sobre os que estão aí à porta. Depois, sobre algumas das mais relevantes figuras do regime económico-financeiro em Portugal. É suficientemente grave para ser esclarecido mais cedo do que tarde.

José Maria Ricciardi é suspeito de alguma coisa? Além do voluntarismo de telefonemas para um ministro e para um primeiro-ministro? As primeiras informações sobre o seu alegado envolvimento no processo Monte Branco e/ou nas investigações às privatizações já têm mais de dois meses, mas a suspeita mantém-se por esclarecer. Dito de outra forma, Ricciardi é culpado até prova em contrário.

Pedro Passos Coelho é suspeito de alguma coisa? Além da disponibilidade para atender telefonemas de banqueiros? O primeiro-ministro, diga-se de passagem, ajuda à festa. Percebe-se a intenção quando diz que tem todo o gosto em que as escutas que o apanharam a falar com o presidente do BESI sejam reveladas. Não tem nada a temer, ainda bem, mas ninguém o considerava suspeito de nada, nem sequer suspeito de ser suspeito.

Esperava-se que a primeira preocupação do primeiro-ministro fosse a de zelar pelo Estado de Direito, coisa que a divulgação de escutas contraria.

A ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz garantia, há dias, que a impunidade, dos poderes instalados, dos políticos, acabou. E quem garante que os cidadãos estão protegidos da impunidade do Ministério Público, leia-se da própria Justiça?

Fonte: Diário Económico / Ironia do Estado

O maior escândalo financeiro da história de Portugal!

João Marcelino, diretor do Diário de Notícias, de Lisboa, considera que “é o maior escândalo financeiro da história de Portugal", qualquer coisa como 9.710.539.940,09 €!!! (paga por todos nós, contribuintes, que não podemos reclamar e sem que nenhum dos conhecidos criminosos tenha sido responsabilizado…)

 Nunca antes houve um roubo desta dimensão, “tapado” por uma nacionalização que já custou 2.400 milhões de euros delapidados algures entre gestores de fortunas privadas em Gibraltar, empresas do Brasil, offshores de Porto Rico, um oportuno banco de Cabo Verde e a voracidade de uma parte da classe política portuguesa que se aproveitou desta vergonha criada por figuras importantes daquilo que foi o "cavaquismo" na sua fase executiva”.

O diretor do DN conclui afirmando que este escândalo “é o exemplo máximo da promiscuidade dos decisores políticos e económicos portugueses nos últimos 20 anos e o emblema maior deste terceiro auxílio financeiro internacional em 35 anos de democracia. Justifica plenamente a pergunta que muitos portugueses fazem: se isto é assim à vista de todos, o que não irá por aí?”

O BPN foi criado em 1993 com a fusão das sociedades financeiras Soserfin e Norcrédito e era pertença da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), que compreendia um universo de empresas transparentes e respeitando todos os requisitos legais, e mais de 90 nebulosas sociedades offshores sediadas em distantes paraísos fiscais como o BPN Cayman, que possibilitava fuga aos impostos e negociatas.

O BPN tornou-se conhecido como banco do PSD, proporcionando “colocações” para ex-ministros e secretários de Estado sociais-democratas. O homem forte do banco era José de Oliveira e Costa, que Cavaco Silva foi buscar em 1985 ao Banco de Portugal para ser secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e assumiu a presidência do BPN em 1998, depois de uma passagem pelo Banco Europeu de Investimentos e pelo Finibanco. O braço direito de Oliveira e Costa era Manuel Dias Loureiro, ministro dos Assuntos Parlamentares e Administração Interna nos dois últimos governos de Cavaco Silva e que deve ser mesmo bom (até para fazer falcatruas é preciso talento!), entrou na política em 1992 com quarenta contos e agora tem mais de 400 milhões de euros.

Vêm depois os nomes de Daniel Sanches, outro ex-ministro da Administração Interna (no tempo de Santana Lopes) e que foi para o BPN pela mão de Dias Loureiro; de Rui Machete, presidente do Congresso do PSD e dos ex-ministros Amílcar Theias e Arlindo Carvalho. Apesar desta constelação de bem pagos gestores, o BPN faliu.

Em 2008, quando as coisas já cheiravam a esturro, Oliveira e Costa deixou a presidência alegando motivos de saúde, foi substituído por Miguel Cadilhe, ministro das Finanças do XI Governo de Cavaco Silva e que denunciou os crimes financeiros cometidos pelas gestões anteriores. O resto da história é mais ou menos conhecido e terminou com o colapso do BPN, sua posterior nacionalização e descoberta de um prejuízo de 1,8 mil milhões de euros, que os contribuintes tiveram que suportar. Que aconteceu ao dinheiro do BPN?
 Foi aplicado em bons e em maus negócios, multiplicou-se em muitas operações “suspeitas” que geraram lucros e que Oliveira e Costa dividiu generosamente pelos seus homens de confiança em prémios, ordenados, comissões e empréstimos bancários.

Não seria o primeiro nem o último banco a falir, mas o governo de Sócrates decidiu intervir e o BPN passou a fazer parte da Caixa Geral de Depósitos, um banco estatal liderado por Faria de Oliveira, outro ex-ministro de Cavaco e membro da comissão de honra da sua recandidatura presidencial, lado a lado com Norberto Rosa, ex-secretário de estado de Cavaco e também hoje na CGD. Outro social-democrata com ligações ao banco é Duarte Lima, ex-líder parlamentar do PSD, que se mantém em prisão preventiva por envolvimento fraudulento com o BPN e também está acusado pela polícia brasileira do assassinato de Rosalina Ribeiro, companheira e uma das herdeiras do milionário Tomé Feteira. Em 2001 comprou a EMKA, uma das offshores do banco por três milhões de euros, tornando-se também accionista do BPN.

Em 31 de Julho, o ministério das Finanças anunciou a venda do BPN, por 40 milhões de euros, ao BIC, banco angolano de Isabel dos Santos, filha do presidente José Eduardo dos Santos, e de Américo Amorim, que tinha sido o primeiro grande accionista do BPN. O BIC é dirigido por Mira Amaral, que foi ministro nos três governos liderados por Cavaco Silva e é o mais famoso pensionista de Portugal devido à reforma de 18.156 euros por mês que recebe desde 2004, aos 56 anos, apenas por 18 meses como administrador da CGD. O Estado português queria inicialmente 180 milhões de euros pelo BPN, mas o BIC acaba por pagar 40 milhões (menos que a cláusula de rescisão de qualquer craque da bola) e os contribuintes portugueses vão meter ainda mais 550 milhões de euros no banco, além dos 2,4 mil milhões que já lá foram enterrados. O governo suportará também os encargos dos despedimentos de mais de metade dos actuais 1.580 trabalhadores (20 milhões de euros).

As relações de Cavaco Silva com antigos dirigentes do BPN foram muito criticadas pelos seus oponentes durante a última campanha das eleições presidenciais. Cavaco Silva defendeu-se dizendo que apenas tinha sido primeiro-ministro de um governo de que faziam parte alguns dos envolvidos neste escândalo. Mas os responsáveis pela maior fraude de sempre em Portugal não foram apenas colaboradores políticos do presidente, tiveram também negócios com ele. Cavaco Silva também beneficiou da especulativa e usurária burla que levou o BPN à falência. Em 2001, ele e a filha compraram (a 1 euro por acção, preço feito por Oliveira e Costa) 255.018 acções da SLN, o grupo detentor do BPN e, em 2003, venderam as acções com um lucro de 140%, mais de 350 mil euros. 

Por outro lado, Cavaco Silva possui uma casa de férias na Aldeia da Coelha, Albufeira, onde é vizinho de Oliveira e Costa e alguns dos administradores que afundaram o BPN. O valor patrimonial da vivenda é de apenas 199. 469,69 euros e resultou de uma permuta efectuada em 1999 com uma empresa de construção civil de Fernando Fantasia, accionista do BPN e também seu vizinho no aldeamento.

Para alguns portugueses são muitas coincidências e alguns mais divertidos consideram que Oliveira e Costa deve ser mesmo bom economista(!!!): Num ano fez as acções de Cavaco e da filha quase triplicarem de valor e, como tal, poderá ser o ministro das Finanças (!!??) certo para salvar Portugal na actual crise económica. Quem sabe, talvez Oliveira e Costa ainda venha a ser condecorado em vez de ir parar à prisão….ah,ah,ah.

O julgamento do caso BPN continua (?!?!?!), mas os jornais pouco têm falado nisso. Há 15 arguidos, acusados dos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas nem sequer se sentam no banco dos réus. Os acusados pediram dispensa de estarem presentes em tribunal e o Ministério Público deferiu os pedidos. Se tivessem roubado 900 euros, o mais certo era estarem atrás das grades, deram descaminho a nove biliões e é um problema político.

Nos EUA, Bernard Madoff, autor de uma fraude de 65 biliões de dólares, já está a cumprir 150 anos de prisão, mas os 15 responsáveis pela falência do BPN estão a ser julgados por juízes “condescendentes”, vão apanhar talvez pena suspensa e ficam com o produto do roubo, já que puseram todos os bens em nome dos filhos e netos ou pertencentes a empresas sediadas em paraísos fiscais. 

Oliveira e Costa colocou as suas propriedades e contas bancárias em nome da mulher, de quem entretanto se divorciou após 42 anos de casamento. 

Se estivéssemos nos EUA, provavelmente a senhora teria de devolver o dinheiro que o marido ganhou em operações ilegais, mas no Portugal dos brandos costumes talvez isso não aconteça. Dias Loureiro também não tem bens em seu nome. Tem uma fortuna de 400 milhões de euros e o valor máximo das suas contas bancárias são apenas cinco mil euros. 

Não há dúvida que os protagonistas da fraude do BPN foram meticulosos, preveniram eventuais consequências e seguiram a regra de Brecht: “Melhor do que roubar um banco é fundar um”.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Adeus Portugal"- A Carta do outro Pedro

“Excelência,

Não me conhece, mas eu conheço-o e, por isso, espero que não se importe que lhe dê alguns dados biográficos. 

Chamo-me Pedro Miguel, tenho 22 anos, sou um recém-licenciado da Escola Superior de Enfermagem do Porto. Nasci no dia 31 de Julho de 1990 na freguesia de Miragaia. Cresci em Alijó com os meus avós paternos, brinquei na rua e frequentava a creche da Vila. Outras vezes acompanhava a minha avó e o meu avô quando estes iam trabalhar para o Meiral, um terreno de árvores de fruto, vinha (como a maioria daquela zona), entre outros. Aprendi a dizer “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite” quando me cruzava na rua com terceiros. Aprendi que a vida se conquista com trabalho e dedicação. Aprendi, ou melhor dizendo, ficou em mim a génesis da ideia de que o valor de um homem reside no poder e força das suas convicções, no trato que dá aos seus iguais, no respeito pelo que o rodeia.

Voltei para a cidade onde continuei o meu percurso: andei numa creche em Aldoar, freguesia do Porto e no Patronato de Santa Teresinha; frequentei a escola João de Deus durante os primeiros 4 anos de escolaridade, o Grande Colégio Universal até ao 10º ano e a Escola Secundária João Gonçalves Zarco nos dois anos de ensino secundário que restam. Em 2008 candidatei-me e fui aceite na Escola Superior de Enfermagem do Porto, como referi, tendo terminado o meu curso em 2012 com a classificação de Bom. Nunca reprovei nenhum ano.

No ensino superior conclui todas as unidades curriculares sem “deixar nenhuma cadeira para trás” como se costuma dizer. Durante estes 20 anos em que vivi no Grande Porto, cresci em tamanho, em sabedoria e em graça. Fui educado por uma freira, a irmã Celeste, da qual ainda me recordo de a ver tirar o véu e ficar surpreendido por ela ter cabelo; tive professores que me ensinaram a ver o mundo (nem todos bons, mas alguns dignos de serem apelidados de Professores, assim mesmo com P maiúsculo); tive catequistas que, mais do que religião, me ensinaram muito sobre amizade, amor, convivência,sobre a vida no geral; tive a minha família que me acompanhou e me fez; tive amigos que partilharam muito, alguns segredos, algumas loucuras próprias dos anos em flor; tive Praxe, aquilo que tanta polémica dá, não tendo uma única queixa da mesma, discutindo Praxe várias vezes com diversos professores e outras pessoas, e posso afirmar ter sido ela que me fez crescer muito, perceber muita coisa diferente, conviver com outras realidades, ter tirado da minha boca para poder oferecer um lanche a um colega que não tinha que comer nesse dia.

Tudo isto me engrandeceu o espírito. E cresci, tornei-me um cidadão que, não sendo perfeito, luto pelas coisas em que eu acredito, persigo objetivos e almejo, como todos os demais, a felicidade, a presença de um propósito em existirmos. Sou exigente comigo mesmo, em ser cada vez melhor, em ter um lugar no mundo, poder dizer “eu existo, eu marquei o mundo com os meus atos”. Pergunta agora o senhor por que razão estarei eu a contar-lhe isto. Eu respondo-lhe: quero despedir-me de si. Em menos de 48 horas estarei a embarcar para o Reino Unido numa viagem só de ida. É curioso, creio eu, porque a minha família (inclusive o meu pai) foi emigrante em França (onde ainda conservo parte da minha família) e agora também eu o sou. Os motivos são outros, claro, mas o objetivo é mesmo: trabalhar, ter dinheiro, ter um futuro. Lamento não poder dar ao meu país o que ele me deu.

Junto comigo levo mais 24 pessoas de vários pontos do país, de várias escolas de Enfermagem. Somos dos melhores do mundo, sabia? E não somos reconhecidos, não somos contratados, não somos respeitados. O respeito foi uma das palavras que mais habituado cresci a ouvir. A par dessa também a responsabilidade pelos meus atos, o assumir da consequência, boa ou má (não me considero, volto a dizer, perfeito). Esse assumir de uma consequência, a pro-atividade para fazer mais, o pensar, ter uma perspetiva sobre as coisas, é algo que falta em Portugal.

Considero ridículas estas últimas semanas. Não entendo as manifestações que se fazem que não sejam pacíficas. Não sou a favor das multidões em protesto com caras tapadas (se estão lá, deem a cara pelo que lutam), daqueles que batem em polícias e afins. Mais, a culpa do país estar como está não é sua, nem dos sucessivos governos rosas e laranjas com um azul à mistura: a culpa é de todos. Porquê? Porque vivemos com uma Assembleia que pretende ser representativa, existindo, por isso, eleições. A culpa é nossa que vos pusemos nesse pódio onde não merecem estar. Contudo o povo cansou-se da ausência de alternativas, da austeridade, do desemprego, das taxas, dos impostos. E pedem um novo Abril. Para quê?

O Abril somos nós, a liberdade é nossa. E é essa liberdade que nos permite sair à rua, que me permite escrever estas linhas. O que nós precisamos é que se recorde que Abril existiu para ser o povo quem “mais ordena”. E a precisarmos de algo, precisamos que nos seja relembrado as nossas funções, os nossos direitos, mas, sobretudo, principalmente, com muita ênfase, os nossos deveres. Porém, irei partir. Dia 18 de Outubro levarei um cachecol de Portugal ao pescoço e uma bandeira na bagagem de mão. Levarei a Pátria para outra Pátria, levarei a excelência do que todas as pessoas me deram para outro país. Mostrarei o que sou, conquistarei mais. Mas não me esquecerei nunca do que deixei cá. Nunca.

Deixo amigos, deixo a minha família. Como posso explicar à minha sobrinha que tem um ano que eu a amo, mas que não posso estar junto dela? Como posso justificar a minha ausência? Como posso dizer adeus aos meus avós, aos meus tios, ao meu pai? Eles criaram, fizeram-me um Homem. Sou sem dúvida um privilegiado. Ainda consigo ter dinheiro para emigrar, o que não é para todos. Sou educado, tenho objetivos, tenho valores. Sou um privilegiado.

E é por isso que lhe faço um último pedido. Por favor, não crie um imposto sobre as lágrimas e muito menos sobre a saudade. Permita-me chorar, odiar este país por minutos que sejam, por não me permitir viver no meu país, trabalhar no meu país, envelhecer no meu país. Permita-me sentir falta do cheiro a mar, do sol, da comida, dos campos da minha aldeia. Permita-me, sim? E verá que nos meus olhos haverá saudade e a esperança de um dia aqui voltar, voltar à minha terra. Voltarei com mágoa, mas sem ressentimentos, ao país que, lá bem no fundo, me expulsou dele mesmo.

Não pretendo que me responda, sinceramente. Sei que ser político obriga a ser politicamente correto, que me desejará boa sorte, felicidades. Prefiro ouvir isso de quem o diz com uma lágrima no coração, com o desejo ardente de que de facto essa sorte exista no meu caminho.

Cumprimentos,
Pedro Marques

Pedro Marques, enfermeiro português de 22 anos, emigrou esta quinta-feira, 18 de Outubro de 2012, de madrugada para o Reino Unido, mas antes despediu-se, com esta carta, do Presidente da República 

sábado, 29 de setembro de 2012

No Expresso de hoje, "Há alguns incompetentes, mas poucos inocentes", de Miguel Sousa Tavares.

O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado?

Como caixa de ressonância daqueles que de quem é porta-voz (tendo há muito deixado de ter voz própria), o presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso, veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas estruturais” — descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República.

Durão Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos dirigentes europeus. Todas as semanas ele cheira o vento e vira-se para o lado de onde ele sopra: se os srs. Monti, Draghi, Van Rompuy se mostram vagamente preocupados com o crescimento e o emprego, lá, no alto do edifício europeu, o cata-vento aponta a direcção; se, porém, na semana seguinte, os mesmos senhores mais a srª Merkel repetem que não há vida sem austeridade, recessão e desemprego, o cata-vento vira 180 graus e passa a indicar a direcção oposta. 
 
Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse corrido mal: o contágio do subprime americano na banca europeia, que era afirmadamente inviável e que estoirou com a Islândia e a Irlanda e colocou a Inglaterra de joelhos; a falência final da Grécia, submetida a um castigo tão exemplar e tão inteligente que só lhe restou a alternativa de negociar com as máfias russas e as Three Gorges chinesas; como é que a tão longamente prevista explosão da bolha imobiliária espanhola acabou por rebentar na cara dos que juravam que a Espanha aguentaria isso e muito mais; como é que as agências de notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente. 
 
Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.

Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos.

O que podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos, nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante série de traficâncias que de há muito — de há muito! — se sabia existirem no BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros?

O que poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais favoravelmente?

O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre comido por parvo?

A troika quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva — sim, retroactiva — que declare a nulidade e renegociação de todos os contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9% sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o Estado. Eu conheço vários.

Quer outra reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização, para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a financiar aos grupos amigos.

Mais uma? Escrevam uma lei que estabeleça que todas as empresas de construção civil, que estão paradas por falta de obras e a despedir às dezenas de milhares, se possam dedicar à recuperação e remodelação do património urbano, público ou privado, pagando 0% de IRC nessas obras. Bruxelas não deixa? Deixa a Holanda ter um IRC que atrai para lá a sede das nossas empresas do PSI-20, mas não nos deixa baixar parte dos impostos às nossas empresas, numa situação de emergência? OK, Bruxelas que mande então fechar as empresas e despedir os trabalhadores. Cumpra-se a lei!

Outra? Proíbam as privatizações feitas segundo o modelo em moda, que consiste em privatizar a parte das empresas que dá lucro e deixar as “imparidades” a cargo do Estado: quem quiser comprar leva tudo ou não leva nada. E, já agora, que a operação financeira seja obrigatoriamente conduzida pela Caixa Geral de Depósitos (não é para isso que temos um banco público, por enquanto?). O quê, a Caixa não tem vocação ou aptidão para isso? Não me digam! Então, os administradores são pagos como privados, fazem negócios com os grandes grupos privados, até compram acções dos bancos privados e não são capazes de fazer o que os privados fazem? E, quanto à engenharia jurídica, atenta a reiterada falta de vocação e de aptidão dos serviços contratados em outsourcing para defenderem os interesses do cliente Estado, a troika que nos mande uma equipa de juristas para ensinar como se faz.

Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever.

Aquilo Que nenhum politico vos dirá, por José Manuel Fernandes, no jornal Pubblico

Ontem defendi no Público que Portugal pode não ter alternativa a renegociar a dívida e a sair do euro. Mas não será nada bonito de se ver:
Quando pensamos que nada pode correr pior, é sempre possível que tudo piore ainda mais. Por isso é bom começar a pensar nos cenários de que ninguém nos fala, sobretudo não nos falam os políticos. Os cenários de falhanço completo da estratégia seguida nas últimas décadas. Pois é a isso que estamos a assistir.
 
Há 20 anos, quando Portugal assinou o Tratado de Maastricht, ainda Cavaco Silva era primeiro-ministro, vivíamos duas imensas ilusões. Nos anos anteriores a economia portuguesa tinha crescido a um ritmo que não conhecia desde o final da década de 60, início da década de 70. A adesão à União Europeia e o cavaquismo triunfante pareciam estar a cumprir o sonho de gerações de portugueses, isto é, a rápida aproximação ao nível de vida da Europa desenvolvida. A economia passava por um rápido processo de transformação e liberalização. Comprometermo-nos com um tratado que procurava fazer de toda a União uma espécie de Alemanha gigante parecia não só razoável como lógico.
 
Este sonho não era só português, era de toda a Europa do Sul, e pareceu estar a materializar-se quando, no caminho para a moeda única, a inflação começou a desaparecer, as taxas de juro baixaram de forma dramática e pareceu haver dinheiro para todos os investimentos, mesmos os mais disparatados, e para um consumo sem limites. Embebedámos-nos, como se embebedaram os gregos, os espanhóis e os italianos. Nos nossos países aconteceu com o euro o contrário do que devia ter acontecido. Em vez de nos tornarmos mais disciplinados, como os actores das economias do Norte da Europa, ficámos mais irresponsáveis. Em vez de aproveitarmos os mecanismos da moeda única para abrirmos mais as nossas economias, aprofundando o mercado único, fechámos essas economias, diminuindo o seu grau de integração com o resto da zona euro. Isso não correspondeu sequer a uma reacção irracional: as empresas, face ao boom do mercado interno de cada país, insuflado pelo crédito fácil, deixaram de procurar os mercados externos. Para usar a linguagem dos economistas, o dinheiro disponível passou do sector transaccionável para o sector não transaccionável.
 
Ou seja, o euro fez-nos muito mal. Não só nestes últimos anos, mas desde que, como se diz com algum exagero mas também com verdade, começámos a destruir a nossa indústria e a ver tornarem-se nas grandes empresas nacionais os fornecedores de serviços protegidos da concorrência (telecomunicações, energia), os grupos de comércio a retalho e os conglomerados da construção civil.
 
O resultado de tantos anos de escolhas erradas foram duas dívidas gigantescas. A dívida pública está a um passo de ultrapassar os 120% o PIB. E a dívida externa (que inclui as dívidas das empresas, dos bancos e dos particulares ao exterior) disparou para valores ainda mais estratosféricos, tendo uma evolução negativa muito rápida, pois em 1995/96 Portugal praticamente não tinha dívida externa. O crescimento da dívida pública é o resultado dos défices acumulados pelo Estado; o crescimento da dívida externa é a consequência de há quase 15 anos Portugal ter sistematicamente consumido, ano após ano, mais 10% do que aquilo que produz.
 
As intenções de quem negociou o euro e subscreveu Maastricht podem ter sido as melhores do mundo, e não há dúvidas de que as economias do Norte da Europa, mesmo as que não aderiram à moeda única (casos da Suécia, Dinamarca ou Polónia), souberam tirar o melhor partido das oportunidades criadas. Já entre nós o sonho de ver o nosso portugalito transformado numa versão atlântica e ensolarada da Alemanha foi apenas uma enorme ilusão. Fatal ilusão.
 
Hoje o nosso país está preso numa armadilha. Porque está no euro, não tem política monetária, logo não pode desvalorizar a moeda para tornar as importações mais caras e as exportações mais competitivas. Porque está no euro, o Banco de Portugal não se pode pôr a imprimir moeda para ajudar o Estado a pagar as suas dívidas e o seu défice. Porque está no euro, está num colete de forças. E o esforço para sair desse colete de forças está a falhar.
 
O processo que iniciámos há pouco mais de um ano é uma tentativa desesperada de recolocar Portugal num, chamemos-lhe assim, "caminho alemão", ou "caminho nórdico". Por um lado, diminuir o défice público. Por outro, reverter os equilíbrios da economia para a fazer exportar mais e importar menos, processo impossível de conseguir sem uma compressão do consumo interno. À frente desse processo tem estado o mais "alemão" de todos os ministros das Finanças da democracia portuguesa, Vítor Gaspar, ele mesmo um homem das negociações de Maastricht.
 
Parece estar a tornar-se óbvio que Portugal não quer, ou não pode, ou não consegue, seguir este caminho. Não o digo por causa das manifestações do 15 de Setembro. Digo-o por causa do que significou o Conselho de Estado. E das exigências da Concertação Social. Digo-o porque os portugueses, como é seu hábito secular, querem tudo e não querem nada. Ainda ontem era muito significativa a capa do Jornal de Negócios sobre o que os portugueses quereriam do próximo Orçamento do Estado: "Lóbis, corporações, empresários e sindicatos estão juntos. Pedem menos cortes, mais investimento, apoios às exportações, redução selectiva da TSU, descida do IVA e aposta na reabilitação urbana." Ou seja, querem como de costume que tudo fique na mesma.
 
Como se isto não chegasse, os nossos números são demasiado pesados. O pagamento de juros da dívida pública já leva mais dinheiro do que o que se gasta em Educação ou em Saúde, e, enquanto existir défice público - mesmo que seja apenas de 3% -, essa dívida vai continuar a subir. Por outro lado, para voluntariamente chegarmos ao equilíbrio orçamental, teríamos de cortar quase um quinto das despesas do Estado e da Segurança Social, se tomarmos como referência o ano de 2010. Isso não é possível sem abdicar de boa parte do nosso Estado social, o qual consome três quartos da despesa pública primária.
 
Mas há mais. Mesmo aquilo que está a correr melhor - o equilíbrio das nossas contas externas - é muito insuficiente para permitir grandes optimismos. Um economista que se tem dedicado ao tema, Ricardo Cabral, estima que para reequilibrar em 15 anos a nossa situação necessitaríamos de crescer 4% ao ano e de ter um saldo positivo na balança comercial de 6% (o tal saldo que foi sempre negativo desde a II Guerra Mundial). Ninguém acredita que seja possível.
 
Tenho falado nos últimos meses com muitos economistas, incluindo com antigos ministros das Finanças, que conhecem os números e convergem quase sempre num ponto: assim não vamos lá. Curiosamente quase todos eles se inibem de tirar as consequências, porque isso implica tocar em dois tabus. São esses tabus que temos de começar a discutir.
O primeiro tabu é o da renegociação das dívidas. Não que essas dívidas não existam, como dizem os viciados em despesa pública. Mas porque genuinamente não conseguimos pagá-las e elas condicionam demasiado o nosso futuro para podermos ter qualquer esperança.
 
O segundo tabu é o do abandono do euro, acabando de vez com a ilusão de que conseguimos ter a disciplina dos alemães. A nossa economia, para nossa desgraça, não mostrou ser capaz de viver sem inflação e sem desvalorizações. Será o fim do nosso sonho de convergência com "a Europa", mas marcará também o regresso a uma vida com os pés na terra.
 
O país que sairia destas duas medidas não seria bonito de se ver, mas seria ao menos um país de novo entregue a si próprio, que teria reconquistado a liberdade que pusemos nas mãos da troika. É altura de começar a discutir o preço que teriam para todos nós estas alternativas. Estou cansado da conversa sobre os "cortes" por parte de quem, na verdade, não quer "cortes" nenhuns e tem como único sonho encontrar quem que nos pague as contas, chamando a isso "solidariedade".

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Portugal, a Nacionalidade e os Desastres, por Manuel Maria Polainas Bolotinha

Já há algum tempo senti a necessidade de fazer esta reflexão, mas decidi aguardar para ver se o governo teria alguma medida concreta, eficaz e justa para que Portugal invertesse o ciclo de perda que atravessa. Ouvidas as palavras do primeiro ministro, creio ter chegado agora o momento de a passar a escrito.

Há cerca de 869 anos, com a assinatura do Trarado
de Zamora, no dia 5 de Outubro de 1143, D. Afonso Henriques, o primeiro dos grandes vultos da Portugalidade, deu origem à mais antiga das nações da Europa e a uma das mais velhas da história da humanidade. Ele e os seus descentes, com excepção da triste época de 1580 a 1640, expandiram a fé cristã, deram a conhecer ‘novos mundos ao mundo’ e afirmaram a grandeza, a genialidade, a arte, o engenho e o saber deste povo que não se quis conter na exiguidde do pequeno rectângulo que limitava a Nação.

Durante aproximadamente oito séculos Portugal prosperou, governado por gente preparada e instruída para servir o País, cuja única preocupação era o bem estar do povo e a grandeza da Nação.

Ironicamente, no mesmo dia em que se comemorava a fundação de Portugal, 767 anos depois, a carbonária e a maçonaria num acto de loucura e de desrespeito para com a Nação e os portugueses, já depois de terem cometido assassínio, deram origem a um dos maiores desastres que aconteceram na história de Portugal. Do tempo em se mantiveram no poder, entretidos em lutas intestinas e a delapidarem o património, deixam-nos o “heróico episódio” de triste memória de enviarem para os campos da Primeira Guerra Mundial o Corpo Expedicionário Português, mal preparado, mal armado e , sobretudo, abandonado. Jogavam com as vidas de quem deveriam defender, preocupados apenas com os seus interesses.

E se mais tarde a situação do país veio a conhecer alguma normalização, há 38 anos, a 25 de Abril, mais um nefasto desastre se abateu sobre a Nação Portuguesa; desse terrível desastre ainda hoje continuamos a sentir os efeitos e, infelizmente, não vemos quando tal possa vir a acabar.

Roubou-se e rouba-se, destruiram-se os campos, as empresas, a economia (e a saga continua e ampliada), promove-se o compadrio, os favores, a corrupção; perderam-se os valores e sobretudo o respeito, principalmente pela dignidade humana. Os únicos interesses considerados legítimos são os próprios.

Sob a podridão deste regíme floresceram e florescem os Soares, os Cavacos, os Guterres, os Sócrates, os Barrosos, os Lopes, os Coelhos, os Costas, os Varas, os Relvas, os Mexias, os Borges e outros malfeitores, que impunemente tecem as suas teias de torpes interesses e nelas se movimentam sem demonstrarem o mínimo de pudor.

Portugal viu-se obrigado a estender a mão à “caridade”, tendo-lhe sido imposto um “remédio” pior que a doença, que os factos se têm encarregue de comprovar ser ineficaz e mortal.

Dizem-nos com um orgulho injustificável que somos e temos que continuar a ser “bons alunos”; mas esquecem que os verdadeiros bons alunos são aqules que estudam, aprendem, pensam e agem em conformidade; os outros, os que cega e acriticamente seguem as receitas que lhes dão, não passam de copistas, e nunca farão obra consistente.

Com um governo de garotos, sem experiência de vida, ignorantes, incultos, e sobretudo sem ideias e sem saber, as previsões falham (o que qualquer aprendiz de economista já sabia que ia acontecer), a economia afunda-se, o desemprego e a miséria social aumentam, e as únicas soluções que implementam limitam-se a roubar o esforço dos que trabalham, não mostrando coragem, vontade e força para atacarem as mordomias, o despesismo, os interesses instalados; os lucros obtidos pela especulação financeira não são convenientemente taxados e os incumpridores são beneficiados com amnistias fiscais. Para o (des)governo apenas uma parte dos portugueses têm a obrigação de pagar e continuar a pagar. E pelas suas palavras assim iremos continuar.

Quando se orgulham da balança de pagamentos se estar a equilibrar, omitem deliberadamente que quase metade desse equilíbrio resulta da diminuição das importações. E elas diminuem, não porque tenha havido substituição por produtos nacionais, mas pelo facto de já nem dinheiro para comprar comida há. As empresas em Portugal por asfixia financeira e falta de mercado vão morrendo todos os dias às centenas.

Agora, Portugal só importa a fome, a miséria e a degradação social; em contrapartida exporta a sua massa cinzenta, que se formou à custa dos sacrifícios dos pagantes do costume.

Somos conhecidos por sermos um povo de ‘brandos costumes’, mas é chegado o momento de passarmos à acção para que Portugal não desapareça.

É a altura de se fazer sentir uma forte desobediência civil, até que o governo mude radicalmente de política, ou, preferencialmente, que se vá embora.
Escrito, retirado da página do seu autor: Manuel Maria Polainas Bolotinha

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mais um bilionário "chuchialista"...

Pode um cidadão eleito presidente e pertencente à classe média baixa, tornar-se, em dois mandatos presidenciais, em um bilionário apenas com os seus rendimentos e benefícios do cargo? 

A resposta é sim. 

O ex-presidente Lula é um suposto e exemplar caso desse milagre financeiro, tendo-se como base as denúncias recorrentes já feitas pela mídia. Conforme amplamente noticiado em algumas ocasiões uma conceituada revista - a Forbes – trouxe à tona esse tema, reputando a Lula a posse de uma fortuna pessoal estimada em mais de R$ 2 bilhões de dólares, devendo-se ressaltar que a primeira denúncia ocorreu ao que tudo indica em 2006, o que nos leva a concluir que a “inteligência financeira do ex-presidente” já deve ter mais que dobrado esse valor, na falta de uma contestação formal e legal do ex-presidente contra a revista.

Estamos diante de um suposto caso em que o silêncio pode ser a melhor defesa para não mexer na panela apodrecida dos podres Poderes da República, evitando as consequências legais pertinentes e o inevitável desgaste perante a opinião pública. 

Nesta semana a divulgação pelo Wikileaks de suspeitas - também já feitas anteriormente - de subornos envolvendo o ex-presidente nas relações de compras feitas pelo desgoverno brasileiro em relação a processos de licitações passados, ou em andamento, nos conduz, novamente, e necessariamente, a uma pergunta não respondida: como se explica o vertiginoso crescimento do patrimônio pessoal e familiar da família Lula? 

O que devem estar pensando os milhares de contribuintes que têm as suas declarações de renda rejeitadas e são legalmente, todos os anos, obrigados a dar as devidas satisfações à Receita Federal sobre crescimentos patrimoniais tecnicamente inexplicáveis, mas de valor expressivamente menor do que o associado ao patrimônio pessoal e familiar do ex-presidente? 

A resposta é simples e directa: tudo isso nos parece ser uma grande e redundante sacanagem com todos aqueles que trabalham fora do setor público - durante mais de cinco meses por ano - para ajudar a sustentar aquilo que a sociedade já está se acostumando a chamar de covil de bandidos.

A pergunta que fica no ar é sobre que atitudes deveriam e devem tomar o Ministério Público, a Receita Federal, O Tribunal de Contas e a Polícia Federal diante de supostas e escandalosas evidências de enriquecimento ilícito de alguém que ficou durante dois mandatos consecutivos no cargo de Presidente da República?

Na falta de atitudes investigativas ou consequências legais, como sempre, a mensagem que o poder público passa para a sociedade é de uma grotesca e sistemática impunidade protectora de todos, ou quase todos, que pactuam com a transformação do país em um Paraíso de Patifes.

No Brasil, cada vez mais, a corrupção compensa e as eventuais punições já viraram brincadeira que nossa sociedade, no cerne dos seus núcleos de poder públicos e privados aprendeu: a impunidade a leva a se nivelar por baixo aceitando que roubar o contribuinte já se tornou um ato politicamente correto para que a o projeto de poder do PT – um Regime Civil Fascista fundamentado no suborno e em um assistencialismo comprador de votos – siga inexoravelmente avante.  

A omissão do Poder Público diante da absurda degeneração moral das relações públicas e privadas somente nos deixa uma alternativa de qualificação: estamos diante do Poder Público mais safado e sem vergonha de nossa história. 

A propósito quem roubou o crucifixo do gabinete presidencial no final do desgoverno Lula? 

Por Geraldo Almendra
Economista e Professor de Matemática, Petrópolis
Fonte original: Brasil Acima de Tudo

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Dr. Mário Soares "Desapareça"

A auréola de democrata que erradamente se insiste em atribuir ao dr. Mário Soares tem sido contraditada pela sua própria conduta pública. Mas agora, velho, incontinente verbal a dizer o que dantes o coarctava a ambição e a evidenciar a sua verdadeira natureza, aí o têm a recandidatar-se a presidente da República.

No que diz respeito ao Ultramar português, Soares esforçou-se de forma empenhada para que o processo se passasse como se passou. Contrariamente ao que diz e à fama que se auto-atribui.

Em tempos de PREC, o dr. Soares cativava inocentes com promessas de consultas populares, a serem feitas cá, e lá, mas a verdadeira intenção era não perguntar nada a ninguém e entregar todo o nosso território ultramarino a elementos directissimamente ligados ao estalinismo soviético. Soares executou, objectivando-o, um desiderato do Partido Comunista. É assim deste personagem a responsabilidade pelo que considero ter sido, e ser ainda, a maior catástrofe nacional a destruição, traiçoeira e vil, de um ideal eminentemente português e a sequente, horrorosa e previsível mortandade que se seguiu.

A gravidade deste horror indescritível vem ainda do facto de nunca ninguém ter investido Soares de poderes para dispor de território nacional. Nem mesmo isso seria jamais possível, por muito que invoque a legalidade revolucionária (que substancialmente não foi legalidade alguma, por se ter traduzido naquilo em que se traduziu destruição de Portugal). A partir daqui, o que se passou é da enorme responsabilidade de uma pessoa imputável há 81 anos e que dá pelo nome de Mário Soares. A "descolonização exemplar" foi "exemplarmente" criminosa, e é imperdoável, tendo em vista a sua enorme gravidade.

Na nossa entrada na CEE o género continua. Depois de consultar técnicos, por si escolhidos, e aqueles o terem esclarecido de que não seria naquela altura, nem por aquele processo, que deveríamos entrar na então CEE, Soares, à revelia de tudo e de todos, comprometeu-se com Bruxelas e "implorou" que nos aceitassem. Segue-se a cedência de tudo a todos e o desprezo olímpico pelos pareceres que iam no sentido oposto. Para defesa do indefensável, Soares não se cansa de nos tentar convencer de que não haveria alternativas. Só que havia. E várias. A que escolheu era a pior. Todas eram melhores, incluindo a entrada na CEE, mas bem negociada.

Soares, com o maior dos desaforos tem assumido atitudes quase majestáticas, como se tudo lhe fosse devido, reivindicando "direitos" que o têm colocado em ridículos patamares, como que a cobrar-se por uma resistência que está longe de ser a tal desgraça de que se queixa. Só que o que se deveria passar seria exactamente o contrário. Por razões de gravidade infinitamente menor das que vêm descritas em documentação vastíssima, e não desmentida, como na de Rui Mateus, entre outra, e pelo que está gravado na memória de centenas de milhares de espoliados do Ultramar, até o Ministério Público já, de alguma forma, se pronunciou. Havendo mesmo um notável parecer do prof. Cavaleiro Ferreira, eminente penalista, que por completo esclarece a situação. Mas o Dr. Soares, estranha, presumida e humilhantemente para todos, arroga- -se o direito de ter direitos que ninguém mais tem.

Mário Soares está ainda longe de ter sido o responsável, como se diz, por vivermos neste simulacro de democracia. O que se passou foi que, no segundo 1.º de Maio depois de 74, quando Soares se pretendia juntar aos comunistas, foi por estes rejeitado. Só mais tarde, e por ter percebido que se não se afastasse do PC teria a sorte que tiveram as dezenas de centros regionais daquele partido, que foi terem ido pelo ar na sequência de reacções populares, aproveitou para inventar o chamado socialismo democrático, que nunca ninguém percebeu muito bem o que é, mas que é do que tem vivido até agora.

Soares, como governante, foi ainda pouco menos que uma nulidade. Nos Governos Provisórios foi o desastre que se sabe. Em 1978 foi demitido pelo gen. Eanes por má governação. Em 1983-85 frustrou completamente os acordos de coligação com o PSD, que permitiriam a Portugal desenvolver-se e modernizar a economia. Em 1983-85, com Soares no poder, a inflação chegou a uns impensáveis 24% e o défice desses governos alcançou a vergonhosa marca de 12%! O País estava quase sufocado pela dívida externa e viveu, até essa data (1985), praticamente com as estruturas do Estado Novo e com empréstimos do FMI. Tudo por culpa da teimosia do dr. Soares que, obstinadamente, se recusava a rever a Constituição que permitiria uma liberalização da nossa economia. Facto este que estava previsto nos acordos de coligação entre o PS e o PSD em 1983. O radicalismo de esquerda, no Verão Quente, foi, mais uma vez, bem mais da responsabilidade de Mário Soares do que do PC, realidade que está na base do estado actual de Portugal.

Por todas estas, e por muitas outras razões, Mário Soares é a figura política que mais e mais gravemente prejudicou Portugal em toda a sua existência. Outros terão tentado, como Afonso Costa, mas, graças a Deus, não conseguiram. Mário Soares conseguiu. Assim, e usando a expressão que ele próprio usou com um GNR que o servia, exijo-lhe dr. Mário Soares deixe-nos em paz. Desapareça.
 
jmportugal@hotmail.com
In DN  em 2005

quarta-feira, 25 de julho de 2012

É a falta de cultura, estúpido! - Clara Ferreira Alves

Nós merecemos isto. Nós elegemos esta gente. Nós não somos muito diferentes disto. 

No meio do anedotário que converteria um homem mais inteligente num homem trágico, convém não esquecer o que nos separa, exactamente, do Relvas. Pouco. O dito não é um espécime isolado, um pobre diabo animado de força e disposição para fazer negócios e trepar na vida, que entrou em associações e cambalachos, comprou um curso superior e, de um modo geral, se autoinstituiu em conselheiro do rei. Já vimos isto.

Nunca vimos isto nesta escala, porque na 25ª hora da tragédia nacional, quando Portugal se confronta com a humilhação da venda dos bens preciosos (os famosos activos) aos colonizados de antanho e seus amigos chineses, o que o país tem para mostrar como elite é pouco. Nada distingue hoje a burguesia do proletariado. Consomem as mesmas revistas do coração, lêem a mesma má literatura (que passa por literatura), vêem a mesma televisão, comovem-se com as mesmas distrações. Uns são ricos, outros pobres.

A elite portuguesa nunca foi estelar, e entre a expulsão dos judeus e a perseguição aos jesuítas, dispersámos a inteligência e adoptámos uma apatia interrompida por acasos históricos que geraram alguns estrangeirados ou exilados cultos permanentemente amargos e desesperados com a pátria (Eça, Sena) e alguns heróis isolados ou desconhecidos (Pessoa, 0'Neill).

Em "Memorial do Convento", Saramago dá-nos um retrato da estupidez dos reis mas exalta romanticamente o povo. Todos os artistas comunistas o fizeram, num tempo em que o partido comunista tinha uma elite intelectual e de resistência inspirada por um chefe que, aos 80 anos, quase cego, resolveu traduzir Shakespeare. Cunhal traduzindo o "Rei Lear" de um lado, Relvas posando nas fotografias ao lado da bandeira do outro. Relvas nem personagem de Lobo Antunes, o (descritor da tristeza pós-colonial, chega a ser. É um subproduto de telenovela O tempo dos chefes cultos acabou, e se serve de consolação, não acabou apenas em Portugal.

A cultura de massas ganhou. No mundo pop, multimédia, inculto e narcisista, em que cada estúpido é o busto de si mesmo, a burguesia e o lúmpen distinguem-se na capacidade de fazer dinheiro. Acumular capital. O dinheiro, as discussões em volta do dinheiro acentuadas pela falta de dinheiro, fizeram do proletariado (e desse híbrido chamado classe média) uma massa informe de consumidores que votam. E que consomem democracia, os direitos fundamentais, como consomem televisão, pela imagem. Sócrates e o Armani, Passos Coelho e a voz de festival da canção. 

Nós, e quando digo nós digo o jornalismo na sua decadência e euforia suicidaria, criámos estas criaturas. Os Relvas, os Seguros, os Passos Coelhos, os amigos deles.

O jornalismo, aterrorizado com a ideia de que a cultura é pesada e de que o mundo tem de ser leve, nivelou a inteligência e a memória pelo mais baixo denominador comum, na esteira das televisões generalistas. Nasceu o avatar da cultura de massas que dá pelo nome de light culture em oposição à destrinça entre high e low. O artista trabalha para o 'mercado', tal como o jornalista, sujeito ao rating das audiências e dos comentários on line.

A brigada iletrada, como lhe chama Martin Amis, venceu. 

Estão admirados? John Carlin, o sul-africano autor do livro que foi adaptado ao cinema por Clint Eastwood, "Invictus", conta que Nelson Mandela e os homens do ANC, na prisão, discutiam acaloradamente, apaixonadamente, Shakespeare. Foram "Júlio César" ou "Macbeth", "Hamlet" ou "Ricardo III" que os acompanharam. Não é um preciosismo. A literatura, o poder das palavras para descrever e incluir o mundo num sistema coerente de pensamento, é, como a filosofia e a história, tão importante como a física ou a álgebra. A grande mostra da Grã-Bretanha nos Jogos Olímpicos é Shakespeare (no British Museum) e não um dono de supermercados ou futebolista.

Os 'heróis' portugueses descrevem-nos. E descrevem a nossa ignorância Passos Coelho é fotografado à entrada do La Féria ou do casino. Um dono de supermercados ou um esperto ministro reformado são os reservatórios do pensamento nacional. Uma artista plástica é incensada não pela obra mas pela capacidade de "agradar ao mercado", transformando-se, pela manifesta ausência de candidatos, em artista oficial do regime. É assim.

Não teria de ser assim. Portugal tem hoje uma pequeníssima elite que consome cultura quase toda velha e sem sucessores. Não estamos sós. Por esse mundo fora, a arte tornou-se cópia e reprodução (daí a predominância dos grandes copiadores de coisas, os chineses), tornou-se matéria tornou-se consumo. Como bem disse Vargas Iiosa, em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e de Ortega Y Gasset."

Clara Ferreira Alves - Expresso - 21-07-2012

domingo, 22 de julho de 2012

Apelo ao protesto - O Pão Nosso de Cada Dia

São cada vez mais comuns e frequentes os apelos ao protesto dos cidadãos vindo dos mais diversos sectores. 

Políticos com responsabilidades, jornalistas, comentadores, autoridades civis e religiosas, figuras mais ou menos públicas, “animadores” de redes sociais, etc… o apelo ao protesto é o “pão nosso de cada dia”!

O governo cortou nos subsídios? Malvados!!!... Protestem!

O governo aumentou o preço dos transportes? Indecente!!!... Protestemos!!!...

O governo cortou regalias sociais? Malformados! Impreparados! Proteste-se!

O Estado não tem dinheiro para concluir a obra A, B, C ou D? Vergonhoso! Bandidos! Protestemos!...

O país não tem dinheiro? Não aceitemos mais esta manifestação de perigosa agenda política que pretende destruir as conquistas de não sei quantas gerações!

É neste clima de protesto variado e instantâneo que alguns esperam despoletar e alimentar convencidos que estão a prestar um grande serviço a si próprios e às suas causas.

Ainda não perceberam que o Estado (ao contrario do que nos quiseram fazer crer durante anos a fio!!!...) não tem dinheiro para fazer face a tudo? … Que não pode construir mais estradas, autoestradas, pontes, hospitais, centros de saúde, de emprego e de formação, pavilhões desportivos, estádios de futebol, piscinas, centros recreativos e culturais, e ainda por cima pagar reformas, providenciar saúde de graça para todos, educação sem custos para todos, e toda a parafernália de direitos e garantias que o Estado foi dando a todos (em razão também do medo de protestos e da necessidade de ganhar eleições)…????...

Será que ainda não perceberam que o Estado afinal não pode tudo e que da forma como foi gerido não é sequer sustentável…???... Isto é que, o Estado, não tem condições de pagar sequer o elementar (os ordenados dos seus próprios funcionários) e por isso se recorreu (tardiamente!!!!...) à ajuda externa????

Será que ainda não perceberam que continuar a viver (e a alimentar) nessa ilusão é o pior que se pode fazer, porque é o melhor contributo para continuarmos na mesma deriva de loucura e de alheamento…????...

Será que ainda não perceberam que o tipo que protesta contra o aumento dos transportes em Lisboa pede exactamente o oposto do que quer transportes públicos em Coimbra (ou em Guimarães, ou em Faro)????

Será que ainda não perceberam que o tipo que grita na rua em protesto contra as novas regras do mercado laboral, exigindo mais protecção ao seu posto de trabalho, quer exactamente o contrário do jovem que grita porque quer uma oportunidade de emprego e vê fechadas as portas do mercado de trabalho…????...

Será que ainda não perceberam que o que uns sentem como um direito inalienável é o oposto do que outros sentem como seu direito também…???...

Esquecer isto não é só mais uma mentira e uma conveniente ilusão. É uma tremenda hipocrisia e um erro capital que, enquanto povo, nos preparamos para cometer (de novo!!!...).

Não é só acreditar que o Estado tudo pode e a todo o lado chega (e que caro estamos a pagar essa ilusão!!!..), é impedir o confronto natural e salutar de ideias, de perspectivas e opções.

Um país que não tem dinheiro para tudo (não tem para quase nada!!!...) tem que saber, PELO MENOS, encontrar o caminho e a forma para definir as suas prioridades. E a única forma transparente e séria de o fazer é colocar em confronto as diferentes opções e ambições dos diferentes grupos que compõem a sociedade de modo a que sejam claras as opções que, enquanto povo (enquanto nação) fazemos.

Com os olhos postos no futuro! Com coragem! Mas também com verdade e transparência! 

Por: Marcelo Nuno Gonçalves Pereira

O "Crime" de Relvas, por José António Saraiva.

«Escrevo semanalmente sobre política há mais de 30 anos , mas mesmo assim ainda consigo surpreender-me.
 
Nas últimas semanas, tenho ficado embasbacado ao ver pessoas adultas e supostamente inteligentes passarem noites inteiras nas televisões a discutir o "caso Relvas ". Mas haverá assim tanto para discutir sobre este caso?
 
A história conta-se em seis linhas : Miguel Relvas apresentou o currículo na Universidade Lusófona, esse currículo foi considerado equivalente a 32 cadeiras. Relvas fez as quatro cadeiras restantes e obteve o canudo.
 
Não há mais nada para noticiar.
 
Pode argumentar-se que houve uma situação de favor-e se calhar é verdade. Provavelmente não deveria ter tantos "créditos" Mas essa situação diz respeito à universidade e não ao próprio
 
Onde é que neste processo Relvas poderia ter cometido um "crime" ?
 
Em duas situações : ou falsificando o currículo ou corrompendo alguém para lhe dar mais créditos do que aqueles a que tinha direito. Ora, aparentemente nenhuma destas hipóteses ocorreu.
O currículo, que se saiba está correcto: e não há nenhum indicio de corrupção.
 
O que se discute,então ?
 
Deveria Relvas ter recusado os créditos que lhe foram atribuídos ?
Mas alguém já fez isso em Portugal (ou noutro país do mundo ? )
 
O "caso Relvas", neste momento, já não tem que ver com o seu curso mas sim com a luta política.
Em torno de Relvas trava-se um braço-de-ferro entre a comunicação social e o Governo, para ver quem é mais teimoso. Ocupam-se horas e horas na TV e na rádio com este assunto, e enchem-se páginas de jornais, apenas para manter o tema na agenda-pois já não há mais nada para dizer.
Mas, por isso mesmo, Miguel Relvas não poderá demitir-se nem ser demitido.
 
Isso seria um tremendo erro político . Diz-se que a sua presença no Governo está a contribuir para o desgastar.
Ora o Governo desgastar-se-ia muito mais se relvas saísse.
Porque seria uma cedência.
Uma prova de fraqueza.
Um sinal de incapacidade para resistir à pressão.

Voltemos um pouco atrás no tempo: qual era um dos grandes trunfos de Sócrates, reconhecido mesmo pelos seus adversários ? Era essa capacidade de resistir- a que começaram a chamar "resilência".
 
Sócrates resistiu ao caso da licenciatura (que era bem mais complicado do que o de Relvas, pois continha irregularidades), resistiu ao caso dos mamarrachos, resistiu ao caso do aterro da Cova da Beira, resistiu ao caso Freport, resistiu ao caso Face Oculta-chegando ás eleições e obtendo, ainda,um resultado razoável.
 
Ora porque carga de água deveria Relvas demitir-se à "primeira" ?
Como se entende que as pessoas que defenderam Sócrates com unhas e dentes até ao fim venham agora dizer que Relvas devia demitir-se ?
 
Demitir-se porquê ?
Por ser mais gordo ?
Por ser mais baixo ?
Por ser do PSD e não do PS?

Um Governo não deve demitir-se debaixo do fogo da comunicação social-esta é uma regra de ouro.
Num momento em que se trava um braço- de-ferro com os média, não pode ser o Governo a ceder.
Nem há objectivamente razões para isso.
 
Se Miguel Relvas obteve o diploma por "favor" , então reúna-se uma "comissão de sábios" para analisar o seu processo e outros idênticos- e retire-se o canudo a quem não o deva ter.
Mas poupem-nos a esta novela mexicana que "já não tem mais lenha por onde arder".

PS-O único interesse do "caso Relvas "foi revelar aquilo que o "caso Sócrates" tinha mostrado mas que muita gente teimava em ignorar: a falta de exigência que se verifica em algumas universidades, distribuindo-se canudos com demasiada facilidade. 

Espera-se,assim,que o ministro Nuno Crato leve por diante aquilo que prometeu,isto é analise este problema com o máximo rigor e mude o que estiver mal.»

POR: JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao topo, dizendo ter formação, que nunca adquiriram, (Olá! camaradas Sócrates...Olá! Armando Vara...), que usem dinheiros públicos (fortunas escandalosas) para se promoverem pessoalmente face a um público acrítico, burro e embrutecido.

Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, em governação socialista, distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção económica - aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes últimos, em atitude de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras notícias e passaram a "prostituir-se" na sua dignidade profissional, a troco de participar nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas mais honesta que estes bandalhos.

Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O VERDADEIRO PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres forjados pelos políticos e pelo poder judicial. Agora continua a ser o VERDADEIRO PODER mas senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos, rapando os ossos ao esqueleto deste povo burro e embrutecido.

Para garantir que vai continuar burro o grande "cavallia" (que em português significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.
 
Gente assim mal formada vai aceitar tudo, e o país será o pátio de recreio dos mafiosos.

A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.

Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção.

Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os ombros.

Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final, assunto arrumado.
Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.

Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que, nada acaba em Portugal, nada é levado às últimas consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado.

Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas histórias, nem o que verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos crimes houve.

Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços de enigma, peças do quebra-cabeças. E habituamo-nos a prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos que não saber o final da história é uma coisa normal em Portugal, e que este é um país onde as coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.

E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos computadores e da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber nada, e esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.

Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao caso da Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário Bibi, das queixas tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém que acredite que algum destes secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muitos alegados crimes, acabem por ser investigados, julgados e devidamente punidos?

Vale e Azevedo pagou por todos?
Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num parque aquático?
Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes imputados ao padre Frederico?

Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?

Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?

Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.

No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém?

As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a Polícia espalha rumores e indícios que não têm substância.
E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?

E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que aconteceu? Alguns até arranjaram cargos em organismos da UE.

Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.
E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol, milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu e porquê?

E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára?
O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz, apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para a sua filha.
E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado doentes por negligência? Exerce medicina?

E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca.

Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao esquecimento.
 
Ninguém quer saber a verdade. Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.

Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre meninas ficaram sempre na sombra.

Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade.

Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

Clara Ferreira Alves - "Expresso"