domingo, 22 de janeiro de 2012

Piratas Somalis. A verdadeira história.

Na costa Oriental de África, uns milhares de quilómetros para Nordeste, há 18 anos que um país mergulhou no caos de onde nunca mais saiu.

Esventrada por uma guerra civil sem fim à vista, a Somália caiu no esquecimento do dito mundo Ocidental até que a pirataria contra navios mercantes que abastecem a Europa voltou para lá os holofotes, que não mostraram com destaque uma outra realidade que quero contar hoje.

Tropecei há dias num pedregulho semi-escondido na Somália quando lia o Courrier Internacional. Um rapper somaliano chamada K’Naan e emigrado nos Estados Unidos escreveu um artigo, originalmente publicado na Urb Magazine, que ajuda a compreender o que se passa lá por aquelas cálidas águas do Golfo de Áden e arredores.

Livrando-se de uma ditadura de 20 anos, em 1991 aquele país do dito “Corno de África” ficou na mão de dois líderes que rapidamente se tornaram em “senhores da guerra” ávidos por sustentar os respectivos “exércitos” e enriquecer a qualquer preço, prática generalizada a nível mundial, mas por lá feita à descarada.

Conta o músico que um enveredou pelo assalto aos comboios de camiões carregados de bens enviados pelos designados países ricos com o manifesto objectivo de evitar a catástrofe humanitária. Depois vendia a ajuda que roubava. Aparentemente por ser do mesmo clã, o segundo torcionário não virou as armas para o primeiro mas antes para a longa costa do país, onde descobriu que aquele mar todo lhe poderia trazer lucros aliciantes.

K’Naan relata que por essa altura já os pescadores da região se queixavam que naquelas águas de ninguém eram muitos os barcos de outros países que entravam por ali dentro e lhes roubavam o peixe. Mal sabiam eles que o pior estava para vir.

O senhor daqueles mares, chamado Ali Mahdi, descobriu uma galinha dos ovos de oiro oferecida, imaginem lá, por insuspeitas empresas suíças e italianas. E como é que tudo aconteceu?

Ali Mahdi, simplesmente ofereceu o fundo dos mares da Somália para as companhias europeias depositarem lá os contentores com resíduos perigosos. Se os tratassem, como obrigam as leis porque se regem as tais empresas, teriam que pagar mais de 700 euros pelo tratamento de cada tonelada de lixos perigosos. O bandido sem escrúpulos permitia-lhes depositarem nas “suas” águas o veneno que produziam desde que lhes pagassem pouco mais de dois euros por cada tonelada! Estão a ver o maná…O que poderia acontecer depois, isso não interessava nada, era lá longe da Europa, e eles que se amanhassem.

E ocorreu mesmo: o “tsunami” de 2004 originado pelo marmoto ocorrido na Ásia chegou à costa da Somália e a força do mar rebentou alguns contentores e o lixo tóxico que encerravam, espalhou-se pela costa. As populações que viviam à beia-mar começaram a queixar-se de problemas de saúde graves: hemorragias internas, problemas de pele e sintomas semelhantes a doenças cancerígenas. O que a empresa suíça Achair Partners e a italiana Progresso haviam “enterrado” na costa eram resíduos radioactivos, metais pesados e detritos químicos, relata o rapper no seu artigo, assegurando que a prática se mantém.

Passaram meses até que as populações atingidas percebessem o que lhes estava a acontecer. Fizeram-se ao mar para impedir os cargueiros de lhes envenenar ainda mais a vida. Daí até pescadores e milicianos passarem a assaltar navios que nada tinham a ver com o caso foi um curto passo.

Aqui, o Ocidente acordou. E o que fez? Mandou para lá navios de guerra que servem de muito pouco, digo eu. A pirataria tornou-se uma importante fonte de rendimento para quem viu os seus mares envenenados, diz ele. E chama bandidos a quem enviou para lá os lixos. Remate do artigo de K’Naan: “Os piratas de uns são a guarda-costeira de outros”.

Por:António Martins Neves, in Atlântico Expresso

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