Sociedade iniciática destinada ao conhecimento esotérico, através de
rituais simbólicos, associação benemerente, clube filosófico, deísta na
tradição inglesa ou agnóstica na tradição francesa, a Maçonaria pode ser
uma agremiação de pessoas de bem, afirma-se ser de «homens livres e de
bons costumes», como consta de um dos seus textos fundadores. O problema
é a definição do que sejam «bons costumes»
Fernando Pessoa,
que não era maçon, defendeu-a honradamente num memorável escrito, quando
foi promulgada legislação que levou à sua extinção pelo Estado Novo.
Estado
Novo, diga-se, de que muitas das suas figuras gradas pertenciam a lojas
maçónicas e detinham altos graus. Foi maçon o próprio Presidente da
República, Óscar Fragoso Carmona, foi maçon e fundador da loja Fernandes
Tomás, na Figueira da Foz, o professor de Direito José Alberto dos
Reis. O primeiro, promulgou a lei que ilegalizou a Maçonaria, o segundo
presidiu à Assembleia Nacional onde se votou. Figuras da Igreja
Católica, com grau de Bispo, foram membros da Maçonaria. Fiéis ao seu
Deus e ao Supremo Arquitecto do Universo.
O
facto de a sociedade dos pedreiros-livres se prestar a conluio e a
perversões é tão antiga como a sua existência. A sua defesa e os
ataques contra ela são parte da História Contemporânea. Trata-se de uma
entidade que já recebeu como irmão o ditador Augusto Pinochet e de que
fizeram parte a quase totalidade dos Presidentes dos Estados Unidos da
América e grande número de membros da Família Real Inglesa. Além de uma
multidão de pessoas que, em termos de importância social, são nada. E
gente decente que nada tira e tudo dá. Há
nela de tudo. E há sobretudo quem esteja nela pelas mais díspares
razões, incluindo as moralmente honestas. E quem a abandone pelos mais
variados motivos, incluindo os miseráveis e até pela inconsciência de
ter estado. E o seu contrário.
Alexandre
Herculano, ao ter saído, mal entrara, escreveu, em 1876: «Uma das
minhas rapaziadas foi ser pedreiro livre. Não tardei a deixá-la (à
Maçonaria). Achei a coisa mais inepta, mais inútil e muito mais ridícula
que uma irmandade de carolas». Sucedeu a muitos.
Salazar,
um católico que o CADC animara, sobrepôs a sua ânsia de poder total à
sua moderação conservadora, e fez decretar, através de uma Lei n.º 1901,
proposta na Assembleia Nacional pelo deputado José Cabral, a extinção
da Maçonaria, Lei das Associações Secretas, a votada sob Alberto dos
Reis e firmada por Carmona, em nome da qual todos os funcionários
públicos teriam de jurar não pertencer nem jamais pertencer-lhes.
Foi
por causa do jamais pertencer que o filósofo Agostinho da Silva, em
nome da liberdade de poder vir a pertencer, se exilou no Brasil. Quis,
já agora, o paradoxo que voltasse a Portugal para um encontro secreto
com o mesmo Salazar, através de um arranjo organizado por Franco
Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros do antigo regime, mas
quiseram as fadas que o encontro não tivesse lugar, porque tinha havido
uma indiscrição. E daí que esse encontro secreto tivesse passado a um
momento discreto na vida do filósofo que não abjurara o secretismo, e
que era, aliás, um grande homem e um notável vulto da Cultura.
Escrevo
isto porque está na ordem do dia a questão de, a coberto da Maçonaria,
poder haver arranjos interesseiros entre políticos, negócios e serviços
secretos e outras tropelias. E estar em causa quem deve ou não
pertencer. E discutir-se se o mal não é a Maçonaria em si ou aquelas
ovelhas negras do rebanho laico. Não faz dúvida ao meu espírito nada do que se discute. Por isso aqui estou.
Não
há uma Maçonaria, sim lojas maçónicas. Cada uma tem autonomia e pode
albergar uma corja de bandidos ou um grupo de ingénuos. Não há uma
Maçonaria, sim várias Maçonarias, com várias orientações filosóficas e
diversos rituais, de que os ritos Escocês Antigo e Aceito e o Francês
são os mais difundidos em Portugal. Não
se trata em rigor de uma sociedade secreta, porque tudo o que ali se
passa de regular e lícito consta de uma imensa biblioteca disponível em
qualquer livraria e cada um é livre de declarar a sua pertença. O
segredo da Maçonaria, a justa e perfeita, é outro, é o conhecimento
gnóstico que a fraternal cadeia de união, através do ritual, permite
alcançar, o mistério da morte e ressurreição, a transmutação da
imperfeição, uma alquimia em que se torna o chumbo corpóreo na alma
aurífera. O tentar o encontro do homem com o Homem, a semente do
Humanismo. Como se num êxtase, uma celebração, uma epifania. Quando
sucede.
Problema é o que se
possa passar nos bastidores, pior, nos esgotos dali. E que a natureza da
organização torne suspeito porque menos claro. Daí que eu ache que
magistrados não devem fazer parte de nada que não seja público, laico ou
religioso. Porque não se podem expor à mínima dúvida.
Claro que, acossadas pela simplificação que os media
servem e a política instiga, as pessoas perdem o fiel da balança mental
que é o elemento comparativo. O medo ajuda a não pensar. E nada como
quem não pensa muito para condenar depressa, tudo e todos.
Num
país maioritariamente católico, ridiculariza-se o usar avental em
cerimoniais, esquecendo que os padres católicos andam de saias, casulas,
estolas e se munem de báculo e hissope e outros artefactos que, vistos
de fora, podem ser tão absurdos como ridículos para os que perderam o
respeito ao que é simbólico e cuja alarvice os levaria seguramente a rir
à gargalhada quando, no momento agónico de uma missa, aquele sujeito
assim vestido eleva os braços com uma roda de farinha e a um cálice e
dele bebe o vinho! E com isso se faz blague e risota fácil.
A
partir daí está aberta a porta à argumentação barata, mesmo vinda da
boca dos que deveriam ter da inteligência um pouco mais de sobejos.
Transformada, no arengar desses, em baile de máscaras, a Maçonaria
degradada a Carnaval, os seus membros tornam-se palhaços idiotas
enfeitados e o Zé Povinho ri, apoucando, às escâncaras, como se o circo
tivesse descido à cidade.
Claro
que tudo isto é fácil de passar a espectáculo nos meios de comunicação
de massa onde se perdeu pudor na argumentação e sobretudo respeito, tudo
afogado pela rudeza vil e pela insolência canalha. Basta ligar a TV e
ver o lixo nauseabundo que é servido ao País como entretenimento, a
devassa sórdida, a violência sanguinária, a repugnância verbal do
palavrão a passar por humor, a demagogia. Mas
não é só do ridículo que cuidam os que vêm para a praça pública por
causa da Maçonaria. É que, segundo alguns, ela permite ilegalidades e
crimes impunes, porque secreta. Ora está aí o ponto por causa do qual
vim aqui.
É que os mesmíssimos
que assim o proclamam são os que esquecem, em amnésia conveniente, que,
em igual critério, a própria Igreja Católica escorre sangue e vergonha
porque se comprometeu, em nome da Fé, com coisas bem mais graves do que
negociatas e combinas, quando legitimou a carnificina das Cruzadas
contra o Infiel ou o extermínio indiscriminado pela "Santa" Inquisição.
Para não falar da pedofilia, em Papas sodomitas e assassinos. Houve
tragicamente de tudo.
Com uma
diferença para pior. É que, na hora do apuramento das contas, dos maçons
os honrados ainda podem dizer que, dada a discrição com que tudo se
passa no seu seio, não sabiam do que de gravemente errado se passava na
Obediência, e dada a autonomia de cada loja e seus triângulos poderão
argumentar que só algumas estarão em crime de prevaricação e que ainda
há quem se salve.
Na Igreja
Católica, das catedrais carregadas de ouro às capelinhas rurais despidas
de qualquer adorno, tudo se passou e passa sempre de casa cheia e à
vista de todos. Todos os que se ajoelham em oração ou no silêncio dos
seus lares rezam ao santo da sua devoção não ignoram o que foi e o que é
o Templo Universal a que pertencem e sobretudo a sua História.
Impõe-se-lhes humildade e pedido de perdão. Quem estiver livre de pecado
que atire a primeira pedra.
As
centenas de milhares de seres humanos que, em nome da Fé Cristã, foram
exterminados, no dia do Juízo Final levantarão, acusadores, o dedo, sim,
para para toda a cristandade. O mesmo Deus que permitiu a matança terá
de absolver os matadores.
Inocentes
há seguramente também no catolicismo, os que estão na religião por uma
união mística com o Divino, os da Igreja de Paulo pedindo perdão pela
Igreja de Pedro. Os que rezam a Deus e não a sacerdotes, os que renegam o
Bezerro de Ouro, os que clamam por Jesus Cristo e seu azorrague contra
os Vendilhões do Templo. Como em todos aqueles cuja Fé passa por Igrejas
e Templos.
Um dia, na aldeia de
Abravezes, era eu garoto, ouvi, à porta de minha casa, a minha mãe, no
dia de hoje precisamente e a esta hora entregue na mesa cirúrgica ao
acaso da vida e da morte, rematar uma altercação violenta com o cura da
paróquia, que se recusara a ir encomendar o corpo de um pobre
tuberculoso, que vivia de esmolas num palheiro, por não ser dos que
pagava a côngrua. Rematando o responso, ela que tinha ido ao cemitério,
de livro na mão rezar o «dai-lhes Senhor eterno descanso», o que
qualquer Baptizado pode fazer como última oração antes que o pó se torne
pó, lançou-lhe, como se em danação moral, àquele vergonhoso vigário: «E
saiba Senhor Padre, que a minha Religião é directamente com Deus,
dispensa Padres!».
É a diferença entre a Fé, os ideias, os princípios e as organizações humanas que dizem servi-los.
Eis o que nesta manhã, o meu coração íntimo dorido sentiu e a minha cabeça privada cansada pensou. Enfim
a parte cívica, pública, social: se há que denunciar vigarices,
arranjismos, compadrios, pulhices a coberto de organizações, vamos a
isso! Mas vamos a direito. Que não seja só nos serviços de informações. Há
uma forma simples: cada um declara a sua pertença presente e passada e o
porquê: mas que isso suceda nos jornais, nos tribunais, na política,
nas organizações religiosas. Quanto a mim o que havia para saber sabe-se e soube-se pela minha boca.
Mas,
já agora, porque quando o Sol nasce é para todos e o de hoje teimou em
chegar, há horas com este texto que arranco às entranhas da alma, não só
ser maçon: que nada escape. Que se faça um varejo de alto a baixo da
influência e penetração que tiveram outras organizações, essas à pala da
religião, na vida portuguesa.
Basta de hipocrisia, chega de velhacaria!
A
certos e determinados que estão silenciosos quais fantasmas,
lembro-lhes, para incutir ânimo, o que o seu Jose Maria Escrivà de
Ballaguer escreveu: «Vira as costas ao infame, quando sussurra aos teus
ouvidos: "Para que te hás-de meter em complicações?"». Venham esses
também, para a praça pública, que agora é que isto está bom e sobretudo
apetitoso e é a oportunidade sacrificial da mortificação.
Querem
portanto discutir os organismos de influência em Portugal e no Mundo?
Embora, vamos a isso! Até por uma questão de higiene moral e cívica.
É pois hora de barrela! Hora de arregaçar mangas, pôr a água a correr, venha a sabonária e a lixívia.
Que este Pais, que mete nojo e cheira mal, está a precisar de uma boa esfrega!
Artigo, copiado daqui: A Revolta das Palvras , de José António Barreiros
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