segunda-feira, 18 de maio de 2009

A farda é parte do projecto pedagógico

Enquanto minissaias e decotes estão a ser proibidos em escolas públicas, directores, psicólogos e alunos falam dos prós e contras das fardas. Colégios defendem-nas enquanto projecto.

Saia plissada em xadrez verde, camiseiro branco ou pólo, meias verdes até ao joelho e sapatos de vela. As meninas do Colégio Mira Rio, em Lisboa, usam todos os dias a mesma roupa. Estão fardadas, mas diferenciam-se na cor do verniz, que vai do tom renda ao vermelho sangue; nas bijutarias, delicadas pérolas nas orelhas ou colares góticos com cruzes, e nas malas, de pele a imitar o design Channel ou mochilas no género montanha.

"A farda faz parte do nosso projecto pedagógico, compõe a disciplina de formação integral das alunas. Fomenta o asseio e a ordem, elimina a competição, agrega o grupo e representa a instituição", explica a directora do Colégio Mira Rio, Graça Carvalho, numa altura em que há polémica nas escolas públicas por restringirem o uso de decotes e minissaias entre os alunos.

A opção pela farda não é um critério para avaliar a democracia ou a disciplina numa escola segundo a psicóloga Teresa Mendes. "Ter ou não uniforme é uma opção que faz parte do projecto pedagógico de cada instituição. Uma escola não se torna mais democrática por não a usar. A farda denota autoridade e disciplina, mas isso não faz com que as escolas que a adoptem tenham melhores resultados no processo educativo", pontua a especialista do Gabinete de Psicologia e Pedagogia - Gapap.

Fundado há trinta anos por uma cooperativa de pais, o Colégio Mira Rio desde o início optou pela farda. Reduzir o gasto em roupas com os filhos, tornar o dia-a-dia mais prático e restringir o peso da vestimenta entre as alunas estão entre as razões que levaram a escola a adoptar o uniforme. "Com a farda não há exclusão pela roupa, elas preocupam-se menos com as marcas. Usar uniforme acaba por reforçar a personalidade delas porque se valorizam mais pelas suas ideias e atitudes", avalia Conceição Morão, mãe e professora no Mira Rio.

Carolina tem 17 anos, está no Mira Rio desde 2007 e gastou 200 euros para adquirir o uniforme completo. Já estudou em escolas públicas, onde não há fardas, e hoje não tem dúvidas sobre o que prefere. "Com a farda não nos distinguimos pelas roupas, aqui não damos valor às marcas e aos acessórios. Somos todas simples, mesmo a estudar numa escola privada. Nas escolas públicas que frequentei havia disputas pelos ténis, pelas calças", explica a estudante. Quando fardadas em locais públicos, as jovens sentem-se observadas, mas orgulham-se do traje. "Há pessoas da nossa idade que nos ridicularizam, outras que nos elogiam, em especial os mais velhos. Já me chamaram de 'clorofila', pelo verde da nossa farda, mas eu gosto, penso que é clássica. Mesmo em casa, muitas vezes uso farda", relata Isabel.

É o momento do intervalo no Liceu Francês, as cores variam, mas os estudantes parecem uniformizados: calças de ganga, tops ou T-shirts, as túnicas e os casacos de malha compridos estão em alta, e ténis de montanha. "A roupa é para expressar a personalidade, o nosso estilo é simples e original. Se houvesse fardas, não teríamos porque ter roupas", opina Ana Catarina.

"O abandono da farda é reflexo das mudanças históricas e culturais promovidas pelo Maio de 68 em Paris, a partir dessa data os estudantes portugueses também deixaram de usar fardas", explica a directora do Liceu Francês, Helena Costa Garon. "Os estudantes afirmam a sua identidade, exprimem-se através do vestuário. Não observo rivalidade em razão das marcas de roupas", sublinha.

A ausência do uniforme não elimina regras de vestuário no Liceu Francês. Nas meninas as saias e os decotes não podem ser exagerados, bem como os saltos e a maquilhagem. Nos rapazes é preciso atenção para que as calças não sejam muito descaídas, a mostrar as cuecas. Os estudantes devem estar sempre bem apresentados e com roupas confortáveis, orienta a psicóloga educacional. "As saias não podem ser muito curtas, nem os tops exagerados. Com ou sem fardas, os jovens diferenciam-se pelo uso dos acessórios, nas mochilas, nas bijutarias, nos ténis. Mantêm um padrão mas diferenciam-se e assim manifestam a sua personalidade", analisa Teresa Mendes. A selecção da roupa para os que não usam farda pode ser um momento rico em diálogo entre pais e filhos, sugere a psicóloga. "Na noite anterior podem escolher juntos, num momento intimista", diz.
Isadora Ataíde no JN.17.05.09

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